Você, alguma vez, já teve a oportunidade de pintar a parede de uma casa ou reformar um móvel antigo?
Já sentiu o cheiro de carro novo?
Já trabalhou ou morou perto de uma indústria com as clássicas chaminés?
Já tomou medicamentos para combater infecções, aliviar dores musculares ou outros sintomas e doenças?
Já usou um inseticida para matar as baratas que insistem em aparecer no verão?
Se sim, você pode não saber o que são xenobióticos, mas já teve contato com eles.
Se não, tudo bem. Continue lendo!
Você já se alimentou hoje? Fez um lanchinho rápido ou tomou uma bebida industrializada?
Já fez uso de algum produto de higiene hoje? Como sabonete, creme dental ou papel higiênico?
Já usou algum cosmético hoje? Uma base na pele, batom, protetor solar, antitranspirante?
Se sim, e muito provavelmente sim, você deve ter entrado em contato com os xenobióticos, mesmo que nessas simples e básicas atividades do dia a dia.
Mas, o que são os xenobióticos, já que são tão comuns?
Xenobióticos são substâncias estranhas ao nosso organismo por virem do meio externo.
● Eles podem vir de outros organismos, como plantas e fungos. Se fizerem mal a nós ou a outros animais, são classificados como toxinas.
● Podem ter procedência não natural, ou seja, serem sintéticos, como as substâncias presentes em solventes, fumaça e outros produtos contaminantes. Se fizerem mal a nós ou a outros organismos, são conhecidos como substâncias tóxicas.
● Ou podem não fazer mal. Ainda assim, continuarão sendo xenobióticos, porque são estranhos ao nosso organismo.
Na realidade, entre fazer e não fazer mal, existe um parâmetro muito importante que é a dose, ou seja, é a concentração daquela substância que vai determinar se ela é tóxica ou não e para quem. Por isso, existem valores de tolerância para diferentes xenobióticos entre diferentes organismos e esses parâmetros podem mudar com o avanço das pesquisas científicas da área.
Onde os xenobióticos estão presentes?
- nos medicamentos que compramos nas farmácias como antiinflamatórios, antibióticos, anti hipertensivos, entre outros;
- nos vegetais que vem da produção agrícola usando herbicidas e pesticidas;
- nos alimentos processados e embalados com determinados tipos de plásticos;
- nos produtos de limpeza como desinfetantes, água sanitária e desengordurantes;
- em produtos de cuidado pessoal, como shampoos e condicionadores para cabelos;
- em cosméticos, como esmaltes para unhas e maquiagens;
- na construção civil e moveleira em solventes, tintas, colas e adesivos;
- na indústria metalúrgica, do petróleo, papel e celulose, entre outras.
A emissão de gases é tão comum devido às indústrias e veículos motorizados, que se levarmos “ao pé da letra” perguntas como: “você já respirou hoje?” entregam a frequência e persistência dos xenobióticos em nossa vida!
E tem mais! São vários os xenobióticos detectados inclusive na placenta humana, de modo que antes mesmo de nascermos, já temos contato com eles.
Devido a industrialização e globalização, os xenobióticos são produtos ou subprodutos intencionais ou não, que estão incorporados na vida moderna. Pode ser mais fácil investigar onde eles não estão presentes.
Já que entendemos que o contato com os xenobióticos é inevitável, porque e como eles podem nos fazer mal?
O efeito dos xenobióticos na saúde humana ainda é objeto de muitas pesquisas científicas. Hoje, já temos comprovação de que o excesso de xenobióticos está relacionado à doenças como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, síndrome dos ovários policísticos, câncer e hipotireoidismo porque alguns xenobióticos atuam como desreguladores ou disruptores endócrinos. O que são?
Desreguladores endócrinos são substâncias que influenciam as atividades orgânicas do sistema endócrino do corpo humano. É no sistema endócrino que os hormônios são produzidos, portanto nossas atividades de crescimento, desenvolvimento, sono, reprodução, comportamento, entre outras, são reguladas pelo bom funcionamento do sistema endócrino. Entretanto, quando alguns xenobióticos atuam como desreguladores endócrinos, Mesmo sendo sintéticos, eles podem imitar ou inibir a síntese, secreção ou transporte dos hormônios naturais e desencadear problemas hormonais como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, síndrome dos ovários policísticos, câncer e hipotireoidismo, mencionados anteriormente.
Infelizmente, essas doenças ou síndromes estão direta ou indiretamente relacionadas a outras doenças como depressão e ansiedade patológica e os xenobióticos também interferem no funcionamento do sistema nervoso central[1] , o que faz com que os impactos negativos dos xenobióticos sejam difíceis de mensurar.
Na medida que as pesquisas científicas avançam, espera-se que os mecanismos de ação dos xenobióticos sejam cada vez mais elucidados, já que ainda há muitas questões não respondidas.
O lado bom…
Nosso corpo possui vários mecanismos para manter a constância e funcionalidade das reações que
acontecem o tempo todo para manutenção da vida! Essas reações só acontecem na velocidade adequada porque são aceleradas por diversos tipos de enzimas. Se não fossem as enzimas, digerir o alimento que comemos seria tão demorado que morreríamos antes dos nutrientes entrarem em nossas células.
Sabemos que o fígado é o órgão responsável pela desintoxicação do sangue, ou seja, ele funciona como centro do metabolismo dos xenobióticos que inalamos, ingerimos ou absorvemos pela pele. E o lado bom é justamente esse! Com a evolução do homem, nosso organismo desenvolveu estratégias para lidar com as toxinas e substâncias tóxicas com as quais entramos em contato, começando pelas toxinas liberadas das plantas, afinal, por mais que sejam naturais, são estranhas ao nosso corpo e dependendo da substância e concentração também podem fazer mal!
Distribuídas por vários órgãos do nosso corpo e em maior quantidade no fígado, está um tipo específico de enzimas chamadas citocromo P450 que, entre outras funções, metabolizam os xenobióticos com os quais entramos em contato facilitando a eliminação deles pela urina. Isso garante que mesmo em um mundo repleto de produtos processados, industrializados e usados na nossa alimentação, saúde, higiene e conforto, nós possamos sobreviver e com saúde enquanto mantivermos nossas funções equilibradas.
O lado ruim…
Muitas vezes, a atividade do fígado fica sobrecarregada devido ao excesso de xenobióticos, especialmente os medicamentos e substâncias de atividades laborais como solventes.
No caso dos medicamentos, o dano causado ao fígado por uma ou mais substâncias é conhecido como hepatotoxicidade induzida por medicamentos. Essa toxicidade específica no fígado, é comum e sua frequência real é difícil de determinar devido à subnotificação dos casos, dificuldades na detecção ou diagnóstico e monitoramento incompleto da exposição.
A dificuldade de detecção acontece porque o quadro clínico pode manifestar-se até 90 dias após a administração do medicamento em doses usuais durante o tratamento. Além disso, é comum a automedicação e o uso de vários medicamentos concomitantes, o que aumenta a possibilidade de toxicidade.
Vamos focar nos medicamentos, que são os xenobióticos mais estudados. Aliás, tem sido cada vez mais fácil conhecer pessoas com diagnóstico de hepatotoxicidade medicamentosa, também conhecida como hepatite medicamentosa. Você conhece alguém? O quadro clínico inclui desde ligeira alteração dos níveis das enzimas hepáticas até a insuficiência hepática fulminante, podendo levar ao óbito.
Existem vários fatores, como idade, gênero, estilo de vida, obesidade, hábitos alimentares, genética, dose e duração do tratamento, que aumentam a suscetibilidade de uma pessoa a um medicamento potencialmente hepatotóxico. Doenças preexistentes e interações medicamentosas também podem induzir a hepatotoxicidade por medicamentos.
Antibióticos, anti-inflamatórios não-esteroides e anticonvulsivantes são os principais agentes associados à lesão hepática.
Então, como minimizar os impactos dos xenobióticos?
No caso dos medicamentos, quando detectada a hepatite medicamentosa, a suspensão do medicamento suspeito é a primeira medida a ser adotada e é fundamental para prevenir ou minimizar danos progressivos.
Vários produtos naturais foram relatados como potenciais diminuidores da toxicidade induzida por medicamentos. Produtos naturais ricos em triterpenos, flavonóides e polifenóis, são agentes hepatoprotetores, devido a atividade antioxidante, ou seja, sequestro de radicais livres, bem como produção e equilíbrio das enzimas importantes na metabolização dos xenobióticos.
Fato interessante é que esses produtos naturais são usados há muito tempo na medicina tradicional chinesa e indiana, fruto do conhecimento popular e cultural que mais recentemente motiva pesquisas científicas, que com métodos específicos (modelos experimentais de células, animais e humanos com lesão hepática) elucidam as substâncias presentes nessas plantas que tem ação hepatoprotetora e como elas agem.
A natureza dietética (alimento com ausência de gordura, sal, carboidratos ou açúcar) e com menor potencial de reações adversas dos produtos naturais fornecem-lhes uma vantagem extra sobre outros candidatos à medicação complementar. Mas não se engane, medicamentos fitoterápicos também podem causar hepatite medicamentosa. Por isso é fundamental o acompanhamento de um profissional capacitado, seja com o uso de medicamentos sintéticos ou naturais. Sempre!
Mas como vimos, os medicamentos não são os únicos xenobióticos. Então, cabe incorporar no dia a dia uma série de ações relativamente simples para o cuidado e prevenção de lesões hepáticas e todos os transtornos que dela decorrem, sendo elas:
- dar preferência, sempre que possível, a alimentos e bebidas mais frescos, que não ficaram embalados em plásticos por muito tempo de prateleira;
- ao cozinhar, procurar armazenar os alimentos nos armários ou geladeira em recipientes de vidro;
- incorporar alimentos orgânicos, livre de agrotóxicos, na dieta;
- não fumar;
- usar equipamentos de proteção individual adequados, como máscaras próprias, no ambiente de trabalho quando estes envolvem uso de solventes ou liberação de gases da combustão;
- ao pintar a casa ou receber móveis, pisos laminados e eletrodomésticos novos, deixar o ambiente bem arejado por vários dias;
- dar preferência aos produtos de higiene pessoal e cosméticos naturais e com componentes orgânicos;
- fazer uso de medicamentos apenas quando necessário e indicado por profissional;
- recusar os recibos de compra e comprovantes das máquinas de cartão – débito e crédito. A impressão térmica é feita geralmente em papéis com uma camada de bisfenol-A, um xenobiótico que sabidamente atua como disruptor endócrino;
- diminuir a liberação de gases no meio ambiente não provocando queimadas e usando transporte público, bicicletas ou carona solidária sempre que possível;
- alimentar-se [1] bem para fornecer ao organismo os nutrientes necessários para construção e reparação celular;
- praticar exercícios físicos com frequência para estimular as funções metabólicas;
- antes de comprar por impulso, reflita se aquele produto, qualquer que seja, realmente faz falta em sua vida. Toda produção que não seja natural, pode envolver processos, matérias primas ou liberar resíduos prejudiciais à nossa saúde.
Não precisamos incorporar todas essas práticas no cotidiano de uma vez. Uma transição calma, mas determinada surte mais efeitos.
Podemos começar a arejar mais a casa, evitar recibos de compra, incluir exercício físico ao longo da semana e aumentar a frequência com o tempo. Depois podemos ficar cada vez mais atentos ao que ingerimos, diminuir comidas processadas, enlatadas e embaladas. Podemos olhar com mais curiosidade os produtos orgânicos do supermercado, investigar se não existe um produtor orgânico nas proximidades de nosso bairro e assim, ir trocando alimentos industrializados por alimentos frescos e orgânicos. Essa última troca é mais difícil de fazer pelo preço desses alimentos, que em geral não são bem recebidos pelos consumidores. Mas conforme vamos aprendendo sobre o valor da boa alimentação, vamos ressignificando nossos gastos com outras coisas do dia a dia e investindo mais na nossa saúde. Até sobre o desperdício nós nos questionamos. Como aproveitar sobras, talos, cascas e folhas e valorizar cada centavo investido?
Além disso, é interessante observar que várias dessas ações também fazem bem ao meio ambiente em geral. Isso quer dizer que tomar cuidado com o que compramos, ingerimos, usamos na pele ou inalamos é uma atitude responsável em diversos aspectos. Além disso, quanto mais ponderamos sobre nosso consumo, mais incentivamos mudanças políticas e econômicas sob a qualidade e impacto do que é produzido.
Vivemos em uma época onde conforto e praticidade são prioridades e não podemos negar os benefícios da indústria química, farmacêutica nem das tecnologias em nossas vidas. Praticar meios de aproveitar esses benefícios impactando o mínimo possível a saúde é algo desafiador, mas possível. Principalmente quando entendemos o que são os xenobióticos, onde estão presentes, o mal que fazem e como podemos minimizá-los. O que você acha?
Referências:
BARROS, D. M; MELO, M. A; SANTOS, C. Y. B.; PEREIRA, A. S; SOUSA, A. F.; ALVES, A. T. S.; MOURA, D. F. (2019). Disruptores Endócrinos e sua influência na saúde humana. Brazilian Journal of Development, 5(11), 24211-24225.
BLATT, C. R.; BECKER, M. W.; LUNARDELI, M. J. M. (2016). Lesão hepática induzida por medicamentos: qual o papel do farmacêutico clínico. Revista Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde, 7(4).
DOMITROVIĆ, R.; POTOČNJAK, I. (2016). A comprehensive overview of hepatoprotective natural compounds: mechanism of action and clinical perspectives. Archives of toxicology, 90(1), 39-79.