Breve História da Aromaterapia

Não podia começar esse texto sem comentar que as plantas são as principais protagonistas desta história. Desde os tempos da Idade da Pedra Lascada (5000 a 1000 a.C.) o ser humano passou a se relacionar de várias formas com as plantas, buscando conhecer melhor suas potencialidades e propriedades. E assim, inicia-se essa relação pelo conhecimento do que é comestível, quais plantas são venenosas, quais auxiliam no tratamento de doenças e podem ser utilizadas como remédios. 


A partir desse momento, as possibilidades de usos das plantas passam a ser as mais variadas. Mas foi na Mesopotâmia e no Egito (3000 a.C.) que as plantas realmente  entraram para a história com a categoria de Plantas Medicinais e Aromáticas. E uma curiosidade é, que nesta época, as doenças eram atribuídas a um pecado cometido e por esse motivo um demônio havia se apoderado do corpo do doente e tudo que ele estava passando tinha um propósito dos Deuses (Dias, 2007). Portanto, as plantas aromáticas, as que tinham um odor agradável, eram usadas para pedir proteção aos Deuses e as com odor desagradável, eram usadas para espantar animais ou deuses maléficos (Camargo, 2005̸2006). 


Mas também é sabido que nesta época os corpos dos faraós e de pessoas importantes eram embalsamados utilizando resinas de plantas aromáticas. Quando a tumba do Rei Tutankamon foi descoberta e aberta, foi possível sentir, após milhares de anos, o aroma das resinas dos incensos enterrados com ele (Bockley, Evershed, 2001). Além disso, seus restos mortais ainda estavam bem conservados, considerando os milhares de anos já passados, e hoje se sabe que essa conservação foi devido a ação antimicrobiana de certos óleos essenciais. Cleopatra é outra figura importante neste período e que hoje é lembrada por seu conhecimento e versatilidade no uso das plantas aromáticas em suas pinturas, banhos, massagens e até mesmo em rituais. 


Na Índia, a 3.000 – 2.000 a.C. os tratamentos Ayurvérdicos famosos pelos banhos e massagens terapêuticas listaram a utilização de mais de 700 plantas medicinais e aromáticas como a Canela (Cinnamomum cassia), o Gengibre (Zingiber officinale), a Mirra (Commiphora myrrha), o Manjericão (Ocimum sp.) e o Sândalo (Santalum album) que eram indicados com finalidades medicinais por médicos indianos para seus pacientes. 


Na China, por volta de 2.500 – 2.700 a.C, o imperador Shen Nung já relatava ensaios e análises da composição de extratos de ervas. O Erbário de Shen-Nung (Shen Nung’s Herbal) traz um dos textos médicos mais antigos. No entanto, a China dedicou-se ao desenvolvimento de uma medicina mais tradicional que considera exercícios físicos, hábitos de vida mais saudáveis que imprimem um olhar mais integrativo do funcionamento do corpo humano do que a aromaterapia.  


Os gregos e os romanos, em 500 a.C. a 27 a.C., eram adeptos ao uso das plantas aromáticas para finalidades medicinais. Os gregos tiveram uma influência dos conhecimentos egípcios e os romanos iam absorvendo a cultura dos povos que eram conquistados em suas batalhas. Hipócrates e Galeno, dois dos maiores médicos da antiguidade grega, indicavam Tomilho (Thymus vulgaris), Manjerona (Origanum majorana), Cominho (Cuminum cyminum), Camomila (Matricaria recutita), Cipreste (Cupressus sempervirens), Hortelã (Mentha piperita), para banhos aromáticos, tratamentos das articulações. Quando o Império Romano é estabelecido, vem a popularização das termas, as casas de banhos públicas. A água era aquecida e plantas aromáticas como Alecrim (Rosmarinus officinalis), Sálvia comum (Salvia officinalis), Tomilho (Thymus vulgaris) eram utilizadas devido suas propriedades terapêuticas (Tisserand, 1993). 


Em 1000 d.C. o filósofo e médico árabe Avicena escreveu 240 livros com indicações de usos de plantas medicinais e, possivelmente, foi o primeiro a destilar óleo essencial de rosa e a aperfeiçoar a destilação. Aqui, começa a ser usado óleo essencial 100% puro, já que até então as plantas eram maceradas com óleo vegetal de oliva. Paracelsus, outro médico árabe e também grande estudioso das plantas, foi o primeiro a utilizar o termo “óleo essencial” e quando ele usa esse termo ele está se referindo a “essência da planta” a sua “alma” (Cozarra, 2002). 


Na Europa, no período da primeira guerra e pós-guerra, a escassez de remédios, os preços elevados e os efeitos adversos causados pelos medicamentos, levaram a uma retomada dos estudos sobre terapias naturais. Na França, em 1910 em Lyon, o químico da perfumaria francesa René-Maurice Gattefossé criou o termo “aromathérapie” com o objetivo de descrever o uso terapêutico dos aromas. Os livros de Gattefossé demonstraram o desenvolvimento de uma aromaterapia baseada na utilização farmacológica e olfativa abrindo perspectivas para uma aromaterapia mais científica. 


Muitos sites e blogs comentam sobre o acidente ocorrido com Gattefossé em uma explosão, mas a verdadeira história, poucos relatam. Realmente houve uma explosão na fábrica onde Gattefossé queimou seus braços ficando gravemente ferido e foi tratado pela medicina tradicional. Os ferimentos foram tão graves que em pouco tempo suas feridas foram infectadas pela bactéria clostridium perfringens, responsável por necrosar os tecidos da nossa pele. Gattefossé então, decidiu se tratar com os conhecimentos tradicionais e começou a aplicar óleo essencial de lavanda em suas feridas. Logo houve uma melhora muito significativa dos ferimentos e desta forma ele comprovou que o óleo essencial de lavanda francesa possui propriedades cicatrizantes e antissépticas1,2. 


O legado deixado por Gattefossé só veio a ter reconhecimento quando o Dr. Jean Valnet (1920-1994), cirurgião do exército, que serviu como médico na frente da armada francesa nas muralhas chinesas tratou lesões dos soldados feridos pela guerra, por falta de antibióticos, com óleos essenciais tais como Limão, Camomila, Eucalipto e suas propriedades antissépticas permitiram salvar muitas vidas. Em 1964 publicou a obra Aromathérapie que em inglês recebeu o título de The practice of aromatherapy (Tisserand, 1993).  Valnet deixou seu legado por meio de alunos como Paul Belaiche e Jean Claude Lapraz. 


Na Inglaterra, a enfermeira e assistente cirúrgica Marguerite Maury (1895-1994) resgatou os ensinamentos antigos sobre o uso dos óleos essenciais na forma de massagens de acordo com as necessidades individuais de cada um, bem como temperamento e personalidade. Assim, nasce a prescrição individual para óleos essenciais. Essa visão holística para a utilização dos óleos essenciais foi introduzida por duas ex-alunas de Maury, Micheline Arcier e Daniele Ryman, na década de 70’ (Festy, 2021). 


Ainda na década de 70’, a “impressão digital” dos óleos essenciais é descoberta por Pierre Franchomme, pesquisador e aromatólogo. Podemos dizer que o quimiotipo – corresponde a identidade botânica e bioquímica de cada óleo essencial – são características botânicas de cada espécie de planta e suas propriedades químicas. E a partir desta descoberta nasce a aromaterapia “moderna”, baseada em perfis cromatográficos que especificam e quantificam os compostos presentes nos óleos essenciais considerando aspectos ambientais como clima, altitude, tipo, manejo de solo, dentre outras, tanto das plantas nativas como também das cultivadas (Giraud, 2018). 


Foi, e tem sido, necessário o avanço de tecnologias ao longo dos anos para se elucidar cientificamente o que nossos sábios antepassados já conheciam e divulgavam: os óleos essenciais são ricos em propriedade antivirais, antissépticas, bactericidas, fungicidas, anti-inflamatórias e outras. Estas propriedades, somadas às formas de utilização dos óleos essenciais, (aromática, tópica e ingestão) nos auxiliam em tratamentos complementares para o bem-estar físico e emocional. E mesmo hoje, em 2021, é muito provável que conheçamos o equivalente a uma gota no oceano sobre a aromaterapia. Simplesmente surpreendente! 


Referências: 


Bockley, S. A.; Evershed, R. P. Organic chemistry of embalming agentes in Pharaonic and Graeco-Roman mummies. Nature. V. 413, n.6858, p.837-841, 2001. 


Camarco, M. T. L. de A.. As plantas medicinais e o sagrado: a etnofarmacobotânica em uma revisão historiográfica da medicina popular no Brasil. 1ª Edição – São Paulo, 2014.  


Corazza, S. Aromacologia: uma ciência de muitos cheiros. 1ª ed. São Paulo: Editora Senac, 2002. 


Dias, J. P. Sousa. História da farmácia e dos medicamentos. Ricardo Fernandes de Menezes (Org.). Disponível em: http://www.farmacia.ufrj.br/consumo/leituras/lm_historiafarmaciamed.pdf. Acesso em 01-09-2021. 


Festy, D.. A bíblia dos óleos essenciais. Tradução de Mayra Corrêa e Castro.  Belo Horizonte, Laszlo, 2021 


Giraud, A. M.. Óleos essenciais e câncer: Uma abordagem terapêutica inovadora e natural. Tradução: Ana Lucia Ramalho Mercê. Belo Horizonte: Editora Laszlo, 2018. 


Tisserand. R. A arte da aromaterapia. 13 ed. São Paulo, Editora Roca, 1993.

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