Aromaterapia e a teoria dos grupos funcionais

Quem se interessa, pratica e estuda sobre aromaterapia provavelmente ao de ler o título deste artigo já sabe que vem assunto polêmico pela frente. Portanto, que fique claro, antes de aprovar ou desaprovar, o objetivo do texto é trazer um breve panorama da Teoria dos Grupos Funcionais agregado do que se tem compreendido com o avanço da ciência e tecnologia experimentados nas últimas décadas. Fazer com que você, leitor, reflita a respeito é o nosso objetivo.


A aromaterapia não é mera questão de crença e fé no sentido puramente esotérico da palavra. Ela pode ter e tem embasamento científico. Sabendo disso, há muitos anos grandes estudiosos da aromaterapia propuseram modelos que melhor explicassem os fenômenos observados desde a antiguidade, por diferentes culturas e gerações.


A Teoria do Grupo Funcional, muito conhecida do termo em inglês, Functional Group Theory (FGT) é uma forma reconhecida desde 1990 para categorizar óleos essenciais de acordo com seus principais constituintes químicos que explicam e preveem os efeitos de um óleo essencial no organismo. A FGT ganhou impulso com a publicação de L’Aromathérapie Exactement de Pierre Franchomme e Daniel Pénöel1.


Para tanto, os constituintes são classificados de acordo com sua função química, em um sistema de grade, diagrama de bolhas ou diagrama estrutura-efeito, demonstrado na figura abaixo.

Se você não tem familiaridade com a química ou não estuda química há um bom tempo, não se preocupe. Você pode ler mais sobre o que são os grupos funcionais da Química Orgânica aqui

Basicamente, o diagrama estrutura-efeito é um sistema de coordenadas com os grupos funcionais representados pelos constituintes predominantes desse óleo e distribuídos entre os quadrantes de acordo com suas características hidrofílicas, lipofílicas, nucleofílicas e eletrofílicas. Classificando os constituintes do óleo essencial pelos grupos funcionais, a FGT prevê porque certos óleos essenciais têm efeitos semelhantes e, além disso, projeta misturas precisas para problemas específicos.

Pela FGT, os álcoois monoterpênicos, classificados como eletrofílicos ou eletropositivos, são tônicos e estimulantes. Como evidência, o borneol é de fato considerado um tônico para a vesícula biliar, o geraniol um tônico uterino e o mentol um estimulante do fígado. No entanto, nenhuma justificativa é dada pela teoria para explicar por que a eletropositividade daria origem a essas propriedades chamadas “tônicas”. E mais, ainda não há evidências do porquê a polaridade ou positividade/negatividade elétrica determinaria a ação farmacológica.

Robert Tisserand, renomado aromaterapeuta e estudioso do assunto, destaca que “não é útil afirmar que os aldeídos são antiinflamatórios, por exemplo, quando esta propriedade é compartilhada por moléculas em todos os outros grupos funcionais”.

De modo geral, tem-se que:

  • uma propriedade terapêutica pode ser compartilhada por diferentes grupos funcionais;
  • um único grupo funcional pode apresentar mais de uma propriedade terapêutica;
  • o efeito de um óleo essencial também depende de como ele é usado;
  • a forma como a célula ou organismo receptor irá metabolizar a mistura complexa de substâncias dos óleos essenciais é muito específica para o indivíduo;
  • o valor semântico dos odores muda entre pessoas e também entre os contextos em que são usados.
  • a FGT foca nos constituintes predominantes do óleo essencial, mas substâncias encontradas em baixíssimas concentrações também podem ter atividade poderosa.

Quanto mais estudamos a respeito, afirmações comuns como “para preparar uma blend para despertar, escolha óleos essenciais com alto teor de álcool” e “o óleo essencial de camomila romana previne espasmos porque é rico em ésteres” parecem generalistas demais.

É por isso que mesmo a FGT sendo a única abordagem dentro da aromaterapia com status de algum tipo de teoria – um conjunto organizado de conhecimentos com valor preditivo – mais recentemente, ela tem sido tratada por muitos aromaterapeutas como uma hipótese, ou seja, proposição provisória e antecipada usada como demonstração de ações ou fenômenos da natureza, que nesse caso específico não foi comprovada pela experiência.

Muitos aromaterapeutas adotaram e ainda adotam em alguma medida essa abordagem química, ensinando-a em cursos ao redor do mundo. O objetivo aqui é que, a partir do panorama da teoria do grupo funcional, você entenda onde a química se encaixa, ou seja, seus avanços, potencialidades e limitações ao explicar efeitos terapêuticos na aromaterapia.

A química é sem dúvida útil, os grupos funcionais, por exemplo, afetam as propriedades físico-químicas das substâncias, como reatividade, solubilidade, volatilidade, entre outros que afetam o modo de extração, aplicação e conservação dos óleos essenciais. Entretanto, sozinha a química não pode explicar toda a complexidade dos sistemas biológicos.

Assim que os constituintes individuais entram no corpo, preferimos falar sobre sua farmacocinética e farmacodinâmica. Hoje, mais e mais pesquisas estão disponíveis em compostos únicos, bem como em óleos essenciais completos, onde as interações entre os constituintes podem aumentar ainda mais a complexidade.

Pesquisadores também procuram maneiras de prever a atividade sem ter que testar um composto, a partir de cálculos computacionais já usados no desenvolvimento de fármacos. Ainda assim, mesmo com as ferramentas mais sofisticadas para identificar moléculas semelhantes, o resultado é apenas o de maior probabilidade de atividade semelhante.

Entende-se assim, a importância da integração entre as áreas de pesquisa e o cuidado que devemos ter ao indicar e usar os óleos essenciais baseados em uma única área do conhecimento. Na saúde e fitoterapia, há muito a ser elucidado e TUDO BEM! É assim que a ciência avança. Sigamos estudando e nos apaixonando pela natureza cada vez mais.


Referências

– Franchomme, P. e Pénoël, D. (1990). L’aromathérapie exactement. Jollois édit. Marseille, France, 490p. 

– Schnaubelt, K. (1998). Advanced Aromatherapy. Rochester, VT: Healing Arts Press.

– Tisserand, R., Valussi, M., Cont, A. e Bowles, E. J. (2018). Debunking Functional Group Theory: Not Supported by Current Evidence and Not a Useful Educational Tool. International Journal of Professional Holistic Aromatherapy, 7(3), 7-61.

– Ratajc P. (2017). Chemistry of essential oils: Why the functional group theory is wrong? Disponível em: https://phytovolatilome.com/essential-oil-chemistry-functional-groups/.

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