Mesmo evitando usar fármacos convencionais em demasia ou ainda dando preferência, quando possível, as soluções naturais, não estamos livres do contato com eles. E não é por vê-los com frequência nas gôndolas das farmácias e comerciais na televisão. É por ingeri-los indiretamente. Como assim?
Vários fármacos como antibióticos e hormônios chegam até nós através da água potável. Isso ocorre pelo grande descarte de fármacos pelas indústrias farmacêuticas no meio ambiente.
Além disso, após o uso de fármacos em tratamentos de doenças e infecções, eles podem ser eliminados pelo nosso corpo quase que sem alteração, ingressar no sistema de esgoto e entrar em contato com solo, rios, lençóis freáticos, etc. Isso também acontece a partir da excreção de fármacos de uso veterinário. O solo de ambientes rurais absorve essas substâncias eliminadas através da urina e fezes de bovinos, suínos, aves e peixes e atingem as matrizes aquáticas.
Por fim, é comum acontecer o descarte incorreto de medicamentos pelo vaso sanitário ao sobrarem após tratamento ou vencimento do prazo de validade.
O problema é que muitos fármacos são persistentes, ou seja, são substâncias que possuem maior tendência em permanecer no ambiente pela resistência à degradação química e biológica. Uma vez que os tratamentos convencionais que temos em nossos municípios não degradam substâncias persistentes, vários fármacos podem passar por estações de tratamento de água e esgoto, persistir e entrar em contato conosco por essa via indireta, não intencional. É como se fosse um efeito colateral compartilhado entre vários fármacos, mas que não vem descrito nas bulas.
Como consequência, essas substâncias podem acarretar a contaminação dos recursos hídricos, atuar como desreguladores endócrinos, ou seja, interferir no sistema endócrino de humanos e outros animais e, com isso, afetar a saúde e o crescimento (BILA; DEZOTTI, 2007). Também podem levar alguns microrganismos a desenvolverem resistência a esses fármacos, como no caso dos antibióticos (BILA; DEZOTTI, 2003).
Existem várias pesquisas científicas na área da química, biologia e engenharias, entre outras áreas que visam desenvolver e testar métodos de degradação desses fármacos em estações específicas antes que eles sejam descartados na natureza. O objetivo é colocá-los em ação em indústrias farmacêuticas, hospitais e fazendas onde o uso desses fármacos é mais comum.
Tratamentos biológicos, físicos e químicos têm mostrado grande potencial. Entretanto, existem inúmeras barreiras a serem transpostas com relação ao ajuste de parâmetros de cada tratamento, como temperatura, pH do meio, microrganismos envolvidos, substâncias a serem adicionadas, agitação, concentração de oxigênio, tipos e concentração dos fármacos a serem tratados, entre outros fatores que devem ser sempre estudados em profundidade para cada caso.
Como exemplo, a química Kenia Parra em sua pesquisa de mestrado na USP em São Carlos, analisou a degradação do antibiótico cloridrato de tetraciclina em meio de urina artificial por método eletroquímico, tendo que avaliar a densidade de corrente aplicada pelo sistema eletroquímico, pH inicial da urina artificial, temperatura do meio, concentração inicial do antibiótico. Com base nos dados coletados, ela avaliou o tempo de degradação desse antibiótico e as novas substâncias originadas a fim de saber se elas eram mais, menos ou de igual toxicidade da substância inicial. Apenas em posse dos resultados em escala de laboratório é que se estuda a viabilidade de aumentar a escala do sistema para uso em estações de tratamento de resíduos (PARRA, 2013).
Tendo em vista, os problemas sociais brasileiros, falta de saneamento básico e carência de tratamento de esgoto convencional em vários estados do país, a perspectiva para grandes mudanças com relação ao tratamento de fármacos contaminantes do meio ambiente, não é muito positiva.
E o que acontece quando usamos, sempre que possível, as soluções naturais? Qual é o impacto ambiental do uso dos óleos essenciais, por exemplo?
Excetuando os aspectos relacionados ao cultivo de plantas para extração de óleos essenciais que podem trazer impactos ambientais e por isso serão discutidos em outro momento, quando entram em contato com o solo e matrizes aquáticas, os óleos essenciais contaminam o meio ambiente?
Por serem misturas complexas de até centenas de substâncias, é mais difícil monitorar a contaminação e degradação dos óleos essenciais pelos métodos tradicionais e assumir que o comportamento depende de uma ou outra substância específica do óleo essencial. Ainda assim, inúmeros estudos têm buscado elucidar o comportamento dos óleos essenciais quando entram em contato com o meio ambiente.
Podemos para tanto, voltar nossa atenção inicial para os monoterpenos presentes em vários óleos essenciais. Uma pesquisa usou solo da floresta na Alemanha e lodo de esgoto em seu estudo sobre a degradação anaeróbica de óleos essenciais: (monoterpenos) limão, pinheiro, semente de salsa e (monoterpenóides) cânfora, salvia, erva-doce, hortelã e tomilho. O óleo de limão e de pinheiro apoiaram o crescimento microbiano, indicando que são óleos biodegradáveis por microrganismos anaeróbicos mesmo quando puros. Os óleos essenciais de semente de salsa, cânfora, salvia, erva-doce, e hortelã, suportaram o crescimento apenas quando os óleos essenciais foram diluídos, o que é mais comum de ocorrer na natureza. O óleo de tomilho não favoreceu o processo de biodegradação por esse método, mas já havia apresentado biodegradabilidade por métodos aeróbicos. Os resultados indicaram que os óleos essenciais podem funcionar como substratos orgânicos para crescimento de bactérias anaeróbicas já comuns em determinados tipos de solos de modo que os monoterpenos participam do ciclo global do carbono (HARDER, 2000).
Mesmo com óleos essenciais contendo compostos mais complexos como os sesquiterpenos, os resultados mostram que uma gama de estruturas diversificadas de sesquiterpenos são biodegraveis por uma grande comunidade microbiana existente na natureza (JENNER; KREUTZER; RACINE, 2011).
Curiosamente, vários óleos essenciais botânicos, resíduos de plantas e seus componentes terpênicos induzem a degradação cometabólica de poluentes persistentes, como tricloroetileno e bifenilos policlorados. O processo de cometabolismo, ocorre quando um constituinte isolado não é prontamente biodegradado mas, na presença de outros constituintes com os quais coexiste naturalmente pode ser facilmente degradado. As substâncias complexas e naturais, presentes nos óleos essenciais podem assim ter potencial na biorremediação de locais contaminados (JENNER; KREUTZER; RACINE, 2011).
Ao contrário de alguns fármacos convencionais, estudos tem evidenciado que os microrganismos comumente utilizados em estações municipais de tratamento de águas residuais são capazes de degradar ampla gama de sesquiterpenos presentes em óleos essenciais (JENNER; KREUTZER; RACINE, 2011).
Além disso, a degradação abiótica, através de ação da radiação solar, temperatura, pH da água e do solo, composição do solo, entre outros, pode ser importante via de remoção ambiental dos óleos essenciais, o que revela a diferença entre o impacto ambiental de determinados fármacos convencionais e dos óleos essenciais após utilização e/ou descarte. Aliás, é justamente por isso que devemos tomar cuidado com o armazenamento dos nossos frascos de óleos para garantir a melhor conservação.
Tamanho potencial dos óleos essenciais de algumas plantas aromáticas, eles podem inclusive servir de alternativa aos pesticidas com efeitos nocivos para o consumidor e o meio ambiente. Os compostos ativos desses óleos essenciais são muito voláteis, facilmente biodegradáveis. Entretanto, é fundamental que seja realizado o acompanhamento da aplicação. Para serem eficazes, os tratamentos devem ser feitos com intervalo curto e tempo regular a fim de evitar o acúmulo de constituintes desses óleos essenciais nos alimentos tratados e limitar a segurança alimentar (GOUDOUM et al., 2012).
Em suma, a biodegradação está relacionada à persistência dos compostos no meio ambiente. Entender o impacto daquilo que consumimos, abre novas possibilidades de reflexões e tomadas de decisão. O uso de produtos não biodegradáveis não se restringe ao uso de plásticos. Podemos, intencionalmente ou não, fazer a ingestão de produtos não biodegradáveis como alguns fármacos e é claro que os benefícios que eles trazem nos tratamentos de doenças jamais poderão ser desconsiderados.
Valorizar a ciência é importante, não só para o desenvolvimento de fármacos menos nocivos ao meio ambiente, como também para o desenvolvimento de métodos de degradação daqueles mais persistentes e entendimento das soluções naturais como alternativas de alto valor para a saúde, bem-estar e meio ambiente.
Os estudos sobre as ações terapêuticas dos óleos essenciais têm aberto novos caminhos para a medicina. Por outro lado, evidenciar que o impacto ambiental que eles causam é, em geral, inferior aos fármacos convencionais, eleva ainda mais seu valor e nos aproxima mais um pouco do termo “equilíbrio”, há muito tempo perdido.
Referências:
BILA, D. M.; DEZOTTI, M. Fármacos no meio ambiente. Química Nova, v. 26, n. 4, p. 523-530, 2003.
BILA, D. M.; DEZOTTI, M. Desreguladores endócrinos no meio ambiente: efeitos e conseqüências. Química Nova, 30(3), 651-666, 2007.
GOUDOUM, A.; TINKEU, L. N.; NGASSOUM, M. B.; MBOFUNG, C. M. Biodegradation of insecticidal compounds of Clausena anisata and Plectranthus glandulosus essential oils applied as protectant on stored grains. Agricultural Journal, 7(2), 165-171. 2012.
HARDER, J. Anaerobic utilization of essential oils bydenitrifying bacteria. Biodegradation, 11(1), 55-63. 2000.
JENNER, K. J.; KREUTZER, G.; RACINE, P. Persistency assessment and aerobic biodegradation of selected cyclic sesquiterpenes present in essential oils. Environmental toxicology and chemistry, 30(5), 1096-1108. 2011.
PARRA, K. N. Degradação eletroquímica de tetraciclina em meio de urina artificial. 2013. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2013.