Olá!
Independentemente de sua formação profissional, idade ou escolaridade, muito provavelmente você já deve ter se questionado ou se encantado em algum momento raciocinando sobre como o nosso funcionamento corporal é perfeito, não é mesmo?
Pois bem, é justamente sobre isso que se trata a fisiologia! Fisiologia é o estudo do funcionamento normal de um organismo vivo e de suas partes componentes, incluindo todos os seus processos físicos e químicos (SILVERTHORN, 2010), com o objetivo de explicar os fatores físicos e químicos responsáveis pela origem, desenvolvimento e progressão da vida (HALL, 2011).
Várias áreas da ciência estudam os níveis de organização desde átomos até ecossistemas na biosfera. Nesta multidisciplinariedade das ciências, segundo Silverthorn (2020), a fisiologia engloba desde o nível molecular até populações de uma espécie (ex.: fisiologia humana), sendo a célula, a menor unidade estrutural capaz de realizar todos os processos vitais. Já um grupo de células, forma tecido (texere, tecer). Por sua vez, tecidos formam estruturas funcionais, os órgãos (organon, instrumento), enquanto grupos de órgãos integram suas funções para formar os sistemas de órgãos ou sistemas fisiológicos, os quais por fim integram-se formando o organismo vivo com toda a sua complexidade e beleza.
Por favor, analise a figura abaixo, na qual Silverthorn (2010) foi muito feliz em esquematizar as relações entre os diferentes níveis de organização da vida e os diferentes campos de estudo com foco em seus níveis de interesse. Repare que um mesmo nível pode ser objeto de interesse para diferentes campos de estudo. Por exemplo, a figura nos mostra que as moléculas são objetos de interesse da química, da biologia molecular, da biologia celular e também da fisiologia.
Portanto, na fisiologia humana, tenta-se explicar as características e os mecanismos específicos do corpo humano que fazem dele um ser vivo (HALL, 2011).
Para iniciarmos a entender a fisiologia humana, foco do nosso bate papo, é preciso saber que 60% do corpo humano adulto é composto por líquidos, sendo soluções aquosas de íons e outras substâncias necessárias para o funcionamento e vida celular. A maior parte desse líquido encontra-se dentro das células (líquido intracelular) e cerca de um terço dele se encontra nos espaços fora das células (líquido extracelular) mais especificamente no sangue (plasma) ou banhando as células de outros tecidos (líquido intersticial). Digno de nota, é que o líquido extracelular está em constante movimento pelo corpo e constantemente trocando substâncias entre os compartimentos sanguíneo e intersticial. A partir dessa integração, no líquido extracelular estão íons, nutrientes e outras substâncias necessárias para manter a vida celular. Logo, não é por acaso que todas as células vivem no mesmo ambiente, banhadas neste líquido extracelular, que por esse motivo é também chamado de meio interno do corpo, ou milieu intérieur, termo introduzido há mais de 100 anos pelo fisiologista francês Claude Bernard.
Contudo, as concentrações de substâncias são significativamente diferentes entre os líquidos extracelular e intracelular. Isso é necessário para a manutenção da vida celular. Dessa forma, as membranas celulares possuem a vital função de controlar as trocas de diferentes substâncias entre o líquido intracelular e o extracelular de forma seletiva, podendo variar a magnitude dessas trocas momento a momento através de mecanismos especiais de transporte. Por exemplo, a membrana celular pode permitir que nutrientes como glicose (açúcar), ácidos graxos (gorduras) e aminoácidos (proteínas) entrem na célula, enquanto resíduos metabólicos saiam da mesma célula para o interstício e daí para o sangue, a fim de ser eliminados ou reaproveitados por órgãos e sistemas fisiológicos específicos.
Neste contexto, o termo homeostase, introduzido em 1929 pelo fisiologista norte-americano Walter Cannon (AIRES, 2018), é utilizado por fisiologistas para definir a manutenção quase constante no meio interno (HALL, 2011), a fim de que não falte nada necessário ao bom funcionamento das cerca de 100 trilhões de células corporais. Para tanto, cada sistema fisiológico deve cumprir sua função de forma integrada aos demais para manter a vida e função das células e consequentemente dos tecidos, órgãos, sistemas e do organismo como um todo. E a fisiologia estuda exatamente a maneira pela qual cada tecido, órgão e sistema contribuem para este estado de equilíbrio dinâmico.
Basicamente podemos citar alguns sistemas fisiológicos e suas funções (de forma muitíssimo sucinta):
⦁ Sistema Tegumentar (integumentum, cobertura). Pele como barreira protetora.
⦁ Sistema musculoesquelético¸ suporte e movimento.
⦁ FUNÇÕES DE TROCA DE SUBSTÂNCIAS ENTRE MEIO INTERNO E EXTERNO
⦁ Sistema respiratório (troca de gases);
⦁ Sistema digestório (absorve nutrientes e água e elimina resíduos metabólicos);
⦁ Sistema urinário (remove ou retém água e substâncias e elimina resíduos metabólicos visando o equilíbrio hidroeletrolítico);
⦁ Sistema genital (reprodução).
⦁ Sistema circulatório, distribui materiais pelo corpo através do sangue, bombeando o mesmo.
⦁ Sistema Nervoso e Sistema Endócrino, coordenam as funções do corpo.
⦁ Sistema imunitário, células posicionadas para interceptar materiais que entram pelas superfícies de troca ou ruptura de pele protegendo o meio interno contra invasores.
Dessa forma, a fisiologia sempre visa entender não somente O QUE acontece no organismo, mas principalmente o COMO ocorre a função.
Eu me arrepio só de começar a falar de como a fisiologia é linda e como tudo acontece de forma harmônica e perfeita para a manutenção e desenvolvimento da vida. Costumo dizer em minhas aulas que não existe mágica no funcionamento corporal, tudo acontece através de interações físicas entre íons, moléculas, organelas, células, tecidos e órgãos que agem de forma integrada formando um sistema fisiológico para cumprir determinadas funções no nosso organismo!
Assim, os diferentes sistemas fisiológicos não trabalham independentes uns dos outros, aliás, muito pelo contrário, todos os sistemas fisiológicos agem deforma integrada, cada um contribuindo com suas funções para fornecer a cada célula do organismo o que lhe é necessário para o seu bom funcionamento e desenvolvimento, e também para retirar dessa mesma célula e do organismo tudo o que lhe é prejudicial.
Vejamos um exemplo. Através de seu metabolismo aeróbio, ou seja, de reações químicas catalisadas (facilitadas) por enzimas específicas, células usam oxigênio ao transformar a energia estocada nos diferentes nutrientes (glicose, aminoácidos e ácidos graxos) para formar moléculas ricas energeticamente (principalmente o Trifosfato de Adenosina, ou ATP) para posteriormente utilizar esse ATP como fonte energética para a realização das mais diversas funções celulares. Além disso, durante esse metabolismo aeróbio é formado o gás dióxido de carbono (CO2), que precisa ser retirado da célula e eliminado pela expiração. Muito bem! Além das funções metabólicas das próprias células em questão, a realização destas funções requer uma integração de vários sistemas fisiológicos como segue abaixo.
Ao iniciar pela contribuição do sistema nervoso, o centro de controle respiratório do sistema nervoso, controla a contração de músculos respiratórios (contribuição do sistema muscular) como o diafragma, de forma com que expandam e retraiam a caixa torácica em cada ciclo respiratório, expandindo os pulmões na inspiração e retraindo os pulmões na expiração. Como isso, o ar entra e sai dos pulmões e nos pulmões o oxigênio se difunde (move) dos alvéolos para o sangue dos capilares que envolvem esses alvéolos enquanto o dióxido de carbono faz o caminho contrário, num processo chamado de hematose (contribuição do sistema respiratório).
Contudo, o oxigênio que agora está no sangue ainda não chegou à célula destino, então o sistema cardiovascular através dos batimentos cardíacos, bombeia o sangue através do corpo até que este sangue que agora está rico em oxigênio chegue aos capilares sanguíneos dos diversos tecidos onde o oxigênio se desloca do sangue para o liquido intersticial (que banha as células) e depois atravessa a membrana da célula chegando ao liquido intracelular, enquanto o CO2 produzido nas células faz o caminho contrário e se desloca da célula para o interstício e deste para o sangue. Neste momento, o sangue continua a circular agora levando o CO2 dessa célula em direção ao coração para depois ser levado aos pulmões onde o CO2 sairá do sangue para dentro dos alvéolos e será eliminado durante a expiração.
Essa integração é linda! Obviamente essa é uma explicação extremamente simplificada, sem abordarmos os diversos fatores físicos envolvidos, os quais demandam normalmente vários capítulos de um livro de fisiologia, mas que visa demonstrar essa interação linda entre os sistemas fisiológicos para a manutenção das funções celulares e consequentemente dos tecidos, dos órgãos e do corpo todo.
Assim, se cada célula de um tecido, com suas estruturas e moléculas, está saudável e funcionando bem, esse o tecido também está saudável e funcional! Se todos os tecidos de um órgão estão saudáveis e funcionais, o órgão estará saudável! Se todos os órgãos de um sistema fisiológico estão saudáveis e funcionais, este sistema fisiológico de órgãos realizará normalmente suas funções para o bom funcionamento do organismo! Por fim, se todos os sistemas fisiológicos estão saudáveis e funcionais, o organismo como um todo está saudável e funcional, e dessa forma, a vida se mantem e se desenvolve, podendo inclusive, através das funções do sistema reprodutor, dar origem a outra vida e perpetuar a espécie!
Isso é lindo!!! É disso que se trata a fisiologia: da “VIDA”. Por isso Artur Guyton disse que Fisiologia é na verdade uma explicação da vida e que outro assunto é mais fascinante, mais excitante ou mais belo do que a vida? (HALL, 2011).
Estamos sempre em busca de conhecimento sobre como os medicamentos, as plantas, os óleos essenciais, o exercício físico, a meditação dentre outras práticas e substâncias agem no tratamento ou prevenção de doenças e na manutenção da saúde.
Contudo, é importante entendermos como o corpo funciona (através da fisiologia), a fim de podermos entender melhor, como cada uma destas práticas e substâncias agem neste funcionamento, e porque não, criar hipóteses e pesquisar sobre a ação de outras substâncias e práticas ainda desconhecidas para melhorar a nossa saúde! É assim, que a ciência é feita!
Convido você a conversarmos mais sobre esse olhar fisiológico sobre a vida!
Até o nosso próximo bate-papo fisiológico.
Abraços.
Referências
HALL, John Edward. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
SILVERTHORN, Dee Unglaub. Fisiologia Humana: uma abordagem integrada. 5ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2010.
AIRES, Margarida de Mello. Fisiologia. 5ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.