Desvendando as Causas da Ansiedade: Ansiedade é falta de fé?

Você já se pegou se sentindo constantemente tenso, preocupado ou apreensivo, sem uma razão aparente? Você já se questionou sobre as origens desse sentimento de inquietação que parece tomar conta do seu dia a dia? Já ouviu que ansiedade é falta de fé? 

 

Na passagem bíblica registrada no Evangelho de Mateus, capítulo 6, versículos 25 a 34, Jesus fala sobre a ansiedade em relação às preocupações da vida, como comida, bebida e vestuário. Ele enfatiza a importância de confiar em Deus e não se preocupar excessivamente com essas necessidades materiais, pois Deus cuida das aves do céu e das flores do campo, e certamente cuidará também de seus filhos. Jesus está abordando a ansiedade relacionada à preocupação constante com as necessidades básicas da vida, destacando a importância da confiança e da fé em Deus para superar essas preocupações.

 

No entanto, é crucial distinguir entre a ansiedade causada por preocupações cotidianas e as causas orgânicas de transtornos de ansiedade.

A ansiedade é uma realidade com a qual muitas pessoas lidam, mas as causas por trás desse fenômeno complexo são frequentemente mal compreendidas. Os desequilíbrios químicos no cérebro são uma das causas potenciais subjacentes aos distúrbios de ansiedade. Esses desequilíbrios podem ocorrer devido a uma variedade de fatores, tanto genéticos quanto ambientais. Alguns dos principais fatores/causas que podem contribuir para os desequilíbrios químicos no cérebro e, por sua vez, desencadear a ansiedade:

 

Genética: A predisposição genética desempenha um papel significativo na regulação dos neurotransmissores, os mensageiros químicos do cérebro. Alterações genéticas podem afetar a produção, liberação e recepção desses neurotransmissores, levando a desequilíbrios químicos que podem predispor uma pessoa a desenvolver distúrbios de ansiedade.

 

Estresse Crônico: O estresse crônico pode ter efeitos profundos no funcionamento do cérebro e no equilíbrio químico. O estresse prolongado pode desencadear a liberação excessiva de hormônios do estresse, como o cortisol, que pode interferir na atividade dos neurotransmissores e afetar negativamente a regulação emocional, contribuindo para a ansiedade.

 

Trauma e Experiências Adversas: Experiências traumáticas na infância ou ao longo da vida, como abuso, negligência ou eventos traumáticos, podem alterar a química do cérebro e aumentar a vulnerabilidade ao desenvolvimento de distúrbios de ansiedade. Esses eventos podem causar mudanças duradouras na estrutura e na função do cérebro, afetando a regulação do humor e das emoções.

 

Alterações Neurobiológicas: Alterações nas vias neurais e na estrutura cerebral também podem contribuir para os desequilíbrios químicos associados à ansiedade. Por exemplo, anormalidades no funcionamento do sistema límbico, que regula as emoções, ou no córtex pré-frontal, que está envolvido no controle cognitivo, podem predispor uma pessoa a experiências de ansiedade.

 

Fatores Ambientais e Estilo de Vida: Fatores ambientais, como exposição a toxinas ambientais, dieta inadequada, falta de exercício físico e uso de substâncias psicoativas, também podem influenciar a química cerebral e aumentar o risco de desenvolver ansiedade. 

Também, algumas condições médicas podem estar associadas ao desenvolvimento de sintomas de ansiedade. Algumas das principais doenças que podem causar ou contribuir para a ansiedade, com referências científicas que documentam essa relação:

 

 

Doenças Endócrinas:

Diabetes Mellitus: A associação entre diabetes e ansiedade é bem documentada na literatura médica, com estudos mostrando uma prevalência aumentada de transtornos de ansiedade em pessoas com diabetes (Grisgby et al., 2002, Huang et al, 2020).

 

 

Hipertireoidismo: O hipertireoidismo, uma condição caracterizada pelo excesso de produção de hormônios tireoidianos, pode desencadear sintomas de ansiedade em pacientes afetados (Saravanan & Visser, 2006).

 

 

Distúrbios Cardiovasculares:

Doença Cardíaca Coronária: Pesquisas indicam que a presença de doença cardíaca coronária está associada a um aumento do risco de desenvolvimento de transtornos de ansiedade, como transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico (Roest et al., 2010).

 

 

Distúrbios Respiratórios:

Asma: Estudos mostraram que a asma pode estar relacionada a um maior risco de desenvolvimento de ansiedade, possivelmente devido à experiência de sintomas respiratórios limitantes e à preocupação com crises de falta de ar (Goodwin et al., 2002).

 

 

Distúrbios Neurodegenerativos:

Doença de Parkinson: A doença de Parkinson, uma condição neurodegenerativa caracterizada pela degeneração progressiva das células cerebrais produtoras de dopamina, pode levar ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade em pacientes afetados (Broen et al., 2016).

 

 

Distúrbios Gastrointestinais:

Síndrome do Intestino Irritável (SII): A SII é frequentemente acompanhada por sintomas de ansiedade, e estudos têm demonstrado uma associação entre os dois, embora a natureza exata dessa relação ainda não esteja completamente esclarecida (Zamani et al., 2019).

 

Refluxo: Pacientes que sofrem de refluxo mostram maior sintomas de ansiedade (Lee et al, 2017).

 

 

Essas são apenas algumas das muitas condições médicas que podem estar relacionadas à ansiedade. É importante ressaltar que a ansiedade pode ser uma resposta apropriada a certas condições médicas, mas também pode ocorrer como uma complicação secundária ou independente. O tratamento eficaz da ansiedade em pacientes com condições médicas subjacentes pode melhorar significativamente a qualidade de vida e o prognóstico geral.

 

 

Abraçando a Saúde Mental sem Preconceitos:

 

É crucial entender que a saúde mental não deve ser estigmatizada ou negligenciada. Se você tem uma dor, ou um mal estar físico vai ao médico, certo? Mas por que quando sente uma dor emocional ou percebe que não está bem emocionalmente, muitos falam que é a falta de fé? Muitas vezes, as pessoas podem relutar em buscar ajuda para problemas de ansiedade devido a preconceitos enraizados, falta de compreensão ou até mesmo crenças religiosas que desencorajam o reconhecimento e tratamento de condições psicológicas.

No entanto, negar a existência da ansiedade ou outros distúrbios mentais não os torna menos reais ou menos impactantes na vida das pessoas. Reconhecer e aceitar a diversidade de experiências emocionais é essencial para promover a compaixão, a empatia e o apoio mútuo em nossa sociedade.

 

 

Embora a fé e a confiança em Deus  ofereçam conforto e apoio emocional, sou Cristã e tenho absoluta certeza disso, acredito que ela não substitui a necessidade de buscar ajuda médica adequada para problemas de saúde mental. Confundir as causas orgânicas da ansiedade com questões espirituais pode levar a uma interpretação errônea da fé, resultando em falta de compreensão e apoio para aqueles que enfrentam distúrbios de ansiedade. 

 

 

Acompanhei  alguns vídeos de  religiosos proclamando em vídeos nas redes sociais, que a ansiedade é falta de fé, como discuti acima  há uma ignorância de conhecimento desses religiosos nas causas abordadas sobre transtornos de ansiedade. Para os seguidores desses religiosos deixo aqui uma reflexão bíblica:

 

 

Uma passagem bíblica em que Jesus fala sobre a questão da confiança nos homens está registrada no Evangelho de João, capítulo 2, versículo 24: Mas Jesus mesmo não confiava neles, porque os conhecia a todos.” (João 2:24).

 

Neste contexto, Jesus está se referindo à sua cautela ao confiar nos homens, pois Ele conhecia o coração humano e sabia que as pessoas nem sempre agiam com integridade ou lealdade. Essa passagem ressalta a importância da confiança em Deus, que é o único verdadeiramente digno de confiança absoluta, e destaca a necessidade de discernimento ao lidar com as relações humanas. Não devemos ter confiança absoluta em nenhuma informação, sem averiguarmos.

 

 

A psicologia tradicionalmente divide o ser humano em três componentes principais: soma, psique e espírito. Vamos explorar cada um deles:

Soma: Refere-se ao corpo físico do indivíduo, incluindo seus órgãos, sistemas biológicos, estrutura anatômica e processos fisiológicos. Este componente está relacionado à dimensão material e física do ser humano e é estudado por disciplinas como a medicina, biologia e anatomia.

Psique: Refere-se à mente, à consciência e aos processos mentais do indivíduo. Este componente abrange aspectos como pensamentos, emoções, percepções, memórias, personalidade e comportamento. É estudado pela psicologia,  que se dedica a compreender os processos mentais e o comportamento humano em diferentes contextos.

 

Espírito: Refere-se à dimensão espiritual ou transcendental do ser humano, incluindo aspectos relacionados à alma, à espiritualidade, à conexão com o divino, ao propósito de vida e à busca por significado. Esta dimensão é muitas vezes considerada fora do escopo da psicologia científica tradicional e é explorada por disciplinas como a filosofia, a teologia e a espiritualidade.

 

Essa divisão tríplice do ser humano em soma, psique e espírito reflete uma abordagem holística que reconhece a complexidade e a interconexão entre os aspectos físicos, mentais e espirituais da experiência humana. Embora algumas abordagens da psicologia contemporânea possam enfatizar mais os aspectos materiais e mentais do ser humano, a compreensão holística do indivíduo continua a ser valorizada em muitas tradições filosóficas, religiosas e humanistas.

 

É  importante compreender que a ansiedade pode estar atrelada a uma dessas dimensões ou a duas ou três, não é um sinal de fraqueza ou falta de fé, mas sim uma condição complexa que pode afetar qualquer pessoa, independentemente de sua religião, cultura ou crenças pessoais. Devemos nos unir para combater o estigma em torno da saúde mental e promover um ambiente de compreensão e solidariedade.

Em última análise, ao compreendermos as causas da ansiedade e ao abraçarmos a saúde mental sem preconceitos, podemos construir uma sociedade mais empática, inclusiva e resiliente, onde todos tenham o apoio e os recursos necessários para enfrentar os desafios emocionais da vida sem julgamentos.

 

Referências:

BROEN, M. P. G. et al. Prevalence of anxiety in Parkinson’s disease: A systematic review and meta‐analysis. Movement disorders: official journal of the Movement Disorder Society, v. 31, n. 8, p. 1125–1133, 2016.

CELANO, C. M. et al. Anxiety disorders and cardiovascular disease. Current psychiatry reports, v. 18, n. 11, 2016.

GRIGSBY, A. B. et al. Prevalence of anxiety in adults with diabetes. Journal of psychosomatic research, v. 53, n. 6, p. 1053–1060, 2002.

GOODWIN, R. D.; EATON, W. W. Asthma and the risk of panic attacks among adults in the community. Psychological medicine, v. 33, n. 5, p. 879–885, 2003.

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STEIN, M. B. et al. Genetic and environmental influences on trauma exposure and posttraumatic stress disorder symptoms: A twin study. The American journal of psychiatry, v. 159, n. 10, p. 1675–1681, 2002.

ZAMANI, M.; ALIZADEH-TABARI, S.; ZAMANI, V. Systematic review with meta‐analysis: the prevalence of anxiety and depression in patients with irritable bowel syndrome. Alimentary pharmacology & therapeutics, v. 50, n. 2, p. 132–143, 2019.

 

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