Medicina Tradicional Chinesa: Muito mais que Acupuntura no tratamento da Ansiedade?

Se você está por dentro das publicações aqui no nosso blog, você já sabe que a acupuntura, uma das técnicas da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), é uma das 29 práticas reconhecidas dentro da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) inserida no nosso Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, apesar de muito em moda nesses tempos de volta aos cuidados mais naturais com a saúde, a MTC, que utiliza uma sabedoria milenar nos cuidados e manutenção da saúde, oferece muito mais que a acupuntura como recurso no cuidado e atenção à saúde e no tratamento dos distúrbios de ansiedade.

Baseada em conceitos culturais e filosóficos próprios, o corpo humano é entendido pela MTC como parte da natureza, e como tal, precisa estar em equilíbrio e harmonia para ser saudável. Entretanto, são vários os conceitos utilizados nessa ampla concepção que não encontram correspondência na Medicina Ocidental, mesmo assim, cientistas e pesquisadores interessados em uma integração entre essas medicinas, já exploram e demonstram alguns efeitos dos recursos terapêuticos da MTC como vamos mostrar!


Você já ouviu falar de Qi (Tchi)?

Um desses conceitos é o Qi, que pode ser traduzido como energia vital. É uma energia sutil, não material, que segundo os conceitos da MTC, é graças a ela que nos mantemos ativos, e a sua livre circulação pelo nosso corpo é o que garante a nossa saúde mental, física e espiritual. 

Acupuntura

Uma das maneiras de acessar essa energia é através da acupuntura. Distribuído harmonicamente por todo o nosso corpo há canais de energia que ligam a superfície corporal aos nossos órgãos internos e que são chamados de meridianos.  Esses canais de energia podem ser acessados pela introdução das agulhas durante a acupuntura em pontos específicos em nossa pele e, de acordo com nossa necessidade individual, equilibrar o funcionamento dos nossos órgãos internos. Mas, como colocado anteriormente, não é só a acupuntura que faz parte do repertório de recursos terapêuticos da MTC.

Existe uma dificuldade em se coletar os dados sobre os benefícios das práticas orientais, pois elas não lidam com abordagens padronizadas ou protocolos e consequentemente com grandes amostras desejadas em pesquisas científicas. Entretanto, já existem trabalhos e revisões sistemáticas sobre o mapeamento  cerebral utilizando a técnica de ressonância magnética funcional comprovando que, pela estimulação de pontos da acupuntura, tem-se a ativação de áreas cerebrais com funções análogas aos pontos estimulados  e relacionados  a resultados em analgesia, contração muscular, motricidade, equilíbrio emocional, entre outros (HE, 2015).

Outro estudo associando a acupuntura com a auriculoterapia, cujo estímulo é feito em pontos no pavilhão auricular, revelou o aumento da produção de neurotransmissores em pacientes com insônia resultando em melhor qualidade de sono e bem-estar (YANG, 2014).

Esses estudos têm elucidado a ação da acupuntura na manutenção da saúde – objetivo central dessa prática – assim como no tratamento de desconfortos como dor, vômito, tontura, labirintite, sintomas do Parkinson, insônia, conjuntivite, no trabalho de parto, entre outros.

Mas, como colocado anteriormente, não é só a acupuntura que faz parte do repertório dos recursos terapêuticos da MTC. Apresentando como base os mesmos conceitos de Qi e meridianos, a Moxabustão e a Tui Na são outros recursos utilizados na MTC.


Moxabustão, o que é?

A moxabustão é um recurso terapêutico que consiste em aquecer regiões ou pontos dos meridianos através da queima da erva medicinal chamada Artemísia vulgaris ou sinensis, ou também de outros tipos de ervas e materiais, com a finalidade de promover melhora na circulação de sangue e de Qi. 

Para a acupuntura clássica, a queima da Artemísia é capaz de emitir uma energia muito similar a do corpo humano, similar ao Qi, podendo assim ser um eficiente recurso na mobilização dessa energia pelo corpo.  

É muito utilizado na prática clínica em dores tensionais na musculatura, onde o calor e o aumento da circulação podem reduzir a dor, o estresse e ajudar a diminuir a ansiedade. Pesquisas científicas indicam a  sua eficiência no tratamento da insônia. Em 2016 um grupo de pesquisadores avaliaram a efetividade e a segurança do uso da Moxabustão no tratamento da insônia. Os autores realizaram uma metanálise através da avaliação de 22 ensaios clínicos randomizados com 1.971 pacientes. Apesar de encontrarem dificuldade com a qualidade dos estudos, os autores chegaram à conclusão que o uso da moxabustão pode ser indicado no tratamento de insônia. Mas, assim como em outros recursos da MTC, é necessário uma boa avaliação dos desequilíbrios físicos e mentais presentes para a sua correta  indicação.


Conhece Tui Na?

A MTC também possui massagem em seus recursos terapêuticos.

Em uso desde a antiguidade, a Tui Na é um recurso terapêutico composto por técnicas manuais vigorosas onde o profissional além das mãos e dedos, utiliza os punhos, cotovelos, antebraços e joelhos com o objetivo de equilibrar o organismo através da estimulação de pontos e dos trajetos dos meridianos. Apesar de serem movimentos vigorosos, proporcionam o relaxamento, a melhoria da circulação sanguínea e energética, atuando nos estados de ansiedade e inquietação mental.  Seu uso pode ajudar como recurso complementar no tratamento da insônia, sendo efetivo e livre da maioria dos efeitos colaterais presentes nas medicações indicadas pela medicina ocidental (FENG, 2019).

A Tui Na pode ainda ser utilizada também em conjunto com a moxabustão e a acupuntura.

Na prevenção e manutenção da saúde a MTC ainda conta com mais recursos que também fazem parte dos pilares de tratamentos oferecidos por essa medicina milenar: a Dietoterapia Chinesa, a Farmacoterapia Chinesa e as Práticas de autocuidado e Exercícios terapêuticos.


Dietoterapia Chinesa

O termo mais correto seria Dietética Chinesa e não Dietoterapia Chinesa, uma vez que o profissional de MTC não prescreve dietas alimentares, mas faz a indicação de qual alimento é o mais indicado dentro da dietética Chinesa para ajudar o corpo a ser mais equilibrado e saudável. Claro que a exceção a essa regra são Nutricionistas que possuem formação em MTC que, aí sim, possuem habilitação para prescrever dietas. 

A alimentação, na concepção da medicina chinesa, é a primeira e a maior fonte de energia para o equilíbrio e a harmonia física e mental. 

Entretanto não havia na antiguidade a noção de calorias, de componentes bioquímicos e moleculares dos alimentos, a dieta chinesa é baseada então na função energética dos alimentos e suas influências no funcionamento equilibrado dos órgãos internos. Uma alimentação equilibrada fornece suficiente substrato para uma correta produção e manutenção de Qi, e de todas as substâncias fundamentais necessárias para a saúde. Uma alimentação correta pode quebrar padrões de desequilíbrios e o surgimento de sinais e sintomas

Devemos considerar que na antiguidade também não havia alimentos industrializados e ultraprocessados, portanto eles devem ser usados de forma muito restrita ou mesmo abolidos. Indivíduos que enfrentam distúrbios de ansiedade devem evitar a ingestão de açúcares (seja demerara, mascavo ou branco) e laticínios. A ingestão desses grupos de alimentos prejudicam o funcionamento dos órgãos Baço e Pâncreas, que para a MTC são responsáveis pelo aproveitamento correto da energia dos alimentos ingeridos. O resultado de uma alta ingestão dos grupos dos açúcares e laticínios é fazer com que o nosso corpo tenha uma menor quantidade e pior qualidade de energia circulando, levando ao desequilíbrio que favorece o aparecimento da insônia, do desânimo e da ansiedade.

Quando necessário adoçar algo, utilize com moderação a rapadura e tâmaras orientais; o consumo de alimentos que contenham canela, gengibre, pimentas ou cafeína deve ser totalmente evitado após as 15 horas. A ingestão de qualquer alimento não deve ser após as 19 horas. Vale a regra: tomar café da manhã com fartura, almoçar dignamente e jantar moderadamente.


Farmacoterapia Chinesa

Achados datados de 2740 a.C. descrevem o tratamento de sintomas através de compostos medicinais que chegaram até os dias de hoje mantendo suas formulações originais. A Farmacoterapia Chinesa conta com fórmulas que têm em seus princípios ativos compostos vegetais, minerais e animais. 

A ANVISA proíbe a entrada no Brasil de compostos que utilizam princípios ativos animais, mas encontramos uma grande variedade de fórmulas magistrais chinesas importadas que utilizam os princípios ativos vegetais e alguns ainda com os minerais. 

A concepção da Medicina Chinesa é que tinturas, pílulas, comprimidos ou mesmo os chás contêm princípios ativos que devem ser vistos como medicamentos. 

Então, para a utilização desses compostos é necessário um grande domínio das técnicas de avaliação e diagnóstico para a correta indicação dessas fórmulas magistrais. Dentro desse contexto, após uma correta avaliação, a utilização de fórmulas magistrais chinesas como recurso terapêutico no tratamento da ansiedade pode trazer bons resultados. Um estudo foi publicado em 2016 com o objetivo de avaliar o efeito da fitoterapia chinesa na redução dos níveis de estresse, ansiedade e melhoria da qualidade de vida (KUREBAYASHI, 2016). Foram incluídos no estudo 89 indivíduos saudáveis divididos em 3 grupos: sem intervenção, placebo e tratamento. O grupo de tratamento recebeu a fórmula magistral Gan Mai Da Zao  por três semanas. Os ingredientes do Gan Mai Da Zao incluem as seguintes ervas: Gan Cao (Radix Glycyrrhiza uralensis), Fu Xiao Mai (Semen Tritici aestivi levis), Da Zao (Fructus Zizyphi jujubae).

Os participantes não sabiam se estavam ou não tomando a fórmula, o que aumenta a qualidade dos resultados.  Todos os participantes foram avaliados por meio de questionários sobre a sua percepção da qualidade de vida e estresse antes e 3 semanas após o início do tratamento. A análise estatística dos dados mostrou que o grupo com tratamento mostrou redução no estresse  com o uso do Fitoterápico da MTC, demonstrando que esse composto pode ser uma opção no tratamento de indivíduos estressados.

Mas, não se esqueça, somos seres únicos, a indicação baseada na individualidade deve sempre ser observada.  E o mesmo cuidado que tomamos com a alopatia da medicina ocidental, devemos ter com os fitoterápicos. Nada de automedicação!


Exercícios Terapêuticos e Práticas de Autocuidado

Nosso corpo necessita de movimento, isso você já sabe! Mas você sabe que a MTC também recomenda essa prática?

Há um consenso que o repouso prolongado prejudica a circulação de sangue na medicina ocidental e de sangue e Qi (energia) nas medicinas orientais. O não movimento trás então o conceito de estagnação.

No entendimento da MTC, quando a circulação de Qi, ou mesmo de qualquer substância fundamental não acontece há a estagnação, a parada da circulação, que possivelmente  levará a um desequilíbrio.

Esse desequilíbrio por sua vez, pode gerar uma deficiência, onde a energia teria que chegar, mas não chega, como gerar um acúmulo, onde a energia ficou estagnada, estacionada. Seja para qual lado da balança for esse desequilíbrio, ele resultará em prejuízo à saúde seja física, mental ou emocional.

A estagnação impede que a energia flua para a nossa mente, diminuindo a clareza de pensamento, favorecendo a manutenção de padrões de pensamentos opressivos e indesejados, que podem levar a inquietude, a insônia e a ansiedade.

Todo o conhecimento das práticas físicas e corporais utilizadas desde a antiguidade foram condensados e hoje formam um ramo de exercícios terapêuticos conhecidos como Qìgōng (leia Tchi Kung) cuja tradução livre é “Treinar o Sopro”. “Sopro”, neste contexto, é o equivalente à “Energia Vital” ou Qi. Encontramos vários estilos e variações de movimentos no Qigong, que pode ser utilizado como um potente recurso terapêutico que tem em sua fundamentação manter ou mesmo recuperar o fluxo de Qi.

Movimentar o nosso corpo contribui para o correto fluxo de energia e de substâncias fundamentais que garantem o equilíbrio da mente e a boa saúde do nosso corpo físico. Mesmo na cultura ocidental, que usa  de práticas  parâmetros específicos das pesquisas científicas, as evidências dos benefícios do movimento e exercícios físicos são inúmeras.  Movimente-se !!!!


Shen* nossa consciência, mente – espírito.

Para apresentar o último recurso terapêutico precisamos trazer ao entendimento o conceito de Shen*. Devido a traduções equivocadas Shen* foi trazido ao ocidente como sinônimo de mente, entretanto no ocidente, mente é algo ligado ao raciocínio e a lógica; no entanto, Shen* seria a força que nos confere vitalidade, a nossa força mental, mas não exclusivamente racional como a mente no conceito da medicina ocidental.

O entendimento mais amplo para Shen* (mente, espírito, consciência) é o resultado das influências filosóficas do Taoísmo, do Budismo e o Confucionismo presentes na MTC. 

Para a MTC Shen* reside no coração, há então uma ligação entre mente e coração que não se resume somente na soma anatômica funcional existente na medicina ocidental, mas uma unidade indivisível fonte de realidade e autenticidade que existe dentro do ser humano. 

Pelo nosso Coração, a morada do Shen*, passam todas as nossas emoções e se tornam lembranças, boas ou ruins, ajudando a constituir nossas respostas e reações às atribulações e exigências do dia a dia. Os transtornos de ansiedade  ficam evidentes quando nossas respostas a essas necessidades do dia a dia se tornam desequilibradas. Nesse contexto, o medo excessivo ou a preocupação excessiva que atrapalham nosso bem estar podem  desequilibrar o Qi do seu coração, por onde todas as emoções passam, desequilibrando o seu Shen* que mora em seu coração.

 Vejam, como somos seres únicos e maravilhosos!!!

Cada experiência pessoal que deixa sua marca em nossos corações e mentes (Shen*) pode equilibrar ou desequilibrar a nossa energia vital, o nosso Qi. A qualidade e quantidade de nossa energia vital produzida internamente pelo nosso próprio corpo pela alimentação pelo descanso e pelo equilíbrio de trabalho e lazer, ajudam na determinação do nosso Shen*; na outra ponta desse equilíbrio estão nossas emoções e respostas às exigências do dia a dia, influências externas, que também contribuem para a qualidade e quantidade do nosso Qi que alimenta e nutre energeticamente o nosso  Shen*.

As práticas meditativas e contemplativas, que utilizam padrões respiratórios que induzem ao relaxamento que com a prática constante levam ao conhecimento, ao autoconhecimento e ao melhor manejo das emoções e respostas ao estresse do dia a dia, ajudam no controle do estresse e ansiedade. 

Essas técnicas podem proporcionar um aperfeiçoamento dessa ligação Shen* mente espírito coração, e vão mobilizar a energia vital (Qi) e as substâncias fundamentais necessárias para o equilíbrio e a harmonia, resultando em saúde. 

Pois é !!! A Medicina Tradicional Chinesa é mais que acupuntura. São várias as técnicas que podem ser utilizadas como terapias complementares nas mais variadas necessidades individuais. Aqui foram apresentadas algumas delas.

A ciência tem voltado a sua atenção para esse conjunto de práticas e, usando de ferramentas específicas, têm elucidado alguns dos vários impactos da MTC na saúde humana. Mas sabemos que ainda há muito a ser explorado e desvendado, especialmente diante de técnicas orientais cuja atenção e cuidado são baseados na individualidade. Vamos aguardar os próximos capítulos dos trabalhos científicos sobre medicina tradicional chinesa.



Referências:

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KUREBAYASHI, L.F.S.; TURRINI, R.N.T.; KUBA, G.; SHIMIZU, M.H.M.; TAKIGUCHI, R.S. Chinese phytotherapy to reduce stress, anxiety and improve quality of life:randomized controlled trial. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(5):853-860.DOI: ttp://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420160000600020

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