Neurociência e ansiedade

O que é neurociência e qual sua relação com nossas emoções?

 

Na década de 80 o neurocientista americano Joseph LeDoux e colaboradores fizeram descobertas impressionantes sobre os caminhos neurais percorridos por nossas emoções em nosso cérebro. Os avanços nessa área demostraram que nosso cérebro envia informações por “atalhos” para algumas estruturas do sistema nervoso.

Sabe o que isso significa? Que nossas emoções são capazes de percorrer ao mesmo tempo, caminhos diferentes, acionando diferentes níveis dos nossos circuitos cerebrais e, só então, iniciar uma resposta.

Portanto, o mapeamento do caminho percorrido por nossas emoções em nosso cérebro abre um novo olhar para os neurocientistas que têm afirmado que as nossas emoções têm poder para superar nossa razão1.


O que é Neurociência?

 

É a ciência que estuda nosso sistema nervoso. A neurociência veio integrar diferentes disciplinas que tem esse tema em comum, como a neurobiologia, a neuroanatomia, neurofisiologia, neurofarmacologia e inclusive a psicologia. Área relativamente nova da ciência, surgiu em 1970 e trouxe uma sofisticação para os estudos relacionados ao sistema nervoso principalmente por integrar-se aos outros ramos da psicologia como a psicologia cognitiva e comportamental proporcionando novas perspectivas no olhar sobre nossa mente.

Mais especificamente, a neurociência é a ciência que estuda nosso sistema nervoso, a forma como ele funciona, seu processo de desenvolvimento e algumas alterações que possam ocorrer ao longo da nossa vida, advindos de estímulos internos e externos e de algumas patologias genéticas ou provenientes da idade.

Desta forma, visando estudar melhor cada ramo interligado a psicologia, as pesquisas em neurociência se subdividiram em cinco campos:

A Neurociência comportamental, que foca no estudo dos fenômenos da mente, individualidades como a formação da personalidade e da memória;

A Neurociência cognitiva, que está mais centrada em estudos relacionados ao desencadeamento dos nossos pensamentos, memória e a dinâmica do aprendizado. A nossa percepção e sensação;

Neurofisiologia que investiga nosso sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico e suas desordens;
 

Neuroanatomia, que foca na anatomia das estruturas e na avalição dos impactos de lesões;
 

Neuropsicologia que está mais focada na análise da base cerebral para compreender como se dão as respostas e atitudes complexas do organismo, incluindo distúrbios cognitivos, emocionais e comportamentais.


Qual importância da neurociência para nossas emoções?

O avanço na área da neurociência cognitiva e comportamental tem proporcionado melhor compreensão dos processos de desencadeamento e respostas das nossas emoções pelo nosso sistema nervoso.  Desta forma, a proposição de terapias cognitivas e comportamentais mais assertivas2, para algumas doenças como a ansiedade e seus transtornos, vem sendo empregada com sucesso.

Crescente a cada dia, a ansiedade hoje é considerada um dos maiores problemas psicológicos que afeta a saúde mental não só adultos e jovens, mas também de crianças. A ansiedade é uma emoção gerada como uma resposta natural do nosso corpo ao medo, ao estresse e, em seu estado normal é bastante saudável, pois muitas vezes nos auxilia a alcançar objetivos e a realizar nossos projetos. Mas, se muito frequente e com muita intensidade, a ansiedade pode se transformar em um problema patológico desencadeando diversos tipos de transtornos como o de ansiedade generalizada, o depressivo, o de personalidade, o de pânico, dentre outros3.

O Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas no mundo, são 18,6 milhões de brasileiros (9,3%), segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 20204. Dados preliminares de uma pesquisa realizada em maio de 2020 pelo Ministério da Saúde para avaliar o impacto da pandemia do COVID 19 na saúde mental dos brasileiros, revelou que a ansiedade foi o transtorno mental detectado na maioria dos participantes. Dos 17.491 indivíduos participantes da pesquisa, com idade entre 18 a 92 anos, em
86,5% foram verificados uma elevada proporção de ansiedade. A maioria dos participantes era do sexo feminino (71%), a maior para dos entrevistados residiam em bairros populares (44,6%) e tinham uma renda mensal variando entre R$1.049,00 e R$2.096,00 (24,3%)4


E você sabe como se processa a emoção no nosso cérebro?

 

Nosso cérebro, ao captar um estímulo externo, uma lembrança ou memória que desencadeia o medo, emite informações que ativam estruturas específicas do nosso sistema límbico como o córtex pré-frontal, o tálamo, amigdala, hipotálamo e o hipocampo. Essas estruturas são capazes de acionar o eixo hipotálo-hipófise-suprarrenais (HPA) do sistema endócrino, ativando diretamente nossos órgãos de forma voluntária e involuntária, desencadeando respostas fisiológicas do nosso corpo em frações de segundos, tais como taquicardia, pés e mãos gelados, respiração ofegante ou ao contrário, sensação de que não consegue respirar, pressão arterial aumentada, entre outras, em resposta ao estímulo enviado.


Mas qual o caminho percorrido pela emoção?

 

Dois caminhos podem ser percorridos de forma simultânea. Um percurso ativa uma resposta mais lenta e o outro uma resposta mais rápida, vai depender da intensidade do estímulo recebido.

Em uma primeira via de resposta mais lenta, quando o estímulo é recebido pelo nosso cérebro ele desencadeia um estado de alerta mais relacionado a atenção, a um susto. Assim, o córtex visual ativa o tálamo e nessa via rápida, a informação se dirige à amigdala cerebral (estrutura localizada em nosso cérebro que recebe todas as informações sensoriais e auditivas e, que também é responsável pela resposta física do nosso corpo, ela é o elo entre os processos cognitivos e comportamentais4) que processa a informação e ativa o córtex pré-frontal, projetando as informações para o hipotálamo. O hipotálamo então, estimula as glândulas suprarrenais liberando os hormônios cortisol e adrenalina em resposta ao um aumento do nível sanguíneo elevando a pressão arterial deixando o nosso corpo em estado de alerta, preparado para lutar contra o estresse.

Em uma segunda via de resposta mais rápida, quando o estímulo recebido já desencadeia o medo relacionado ao pânico, o córtex visual (localizado na parte de trás do cérebro) envia uma mensagem para a amigdala, que estimula o hipotálamo que ativa a hipófise secretando os hormônios em resposta a emergência. Através da amigdala, sinais são emitidos ao longo da medula espinhal para o sistema nervoso autônomo ativando respostas fisiológicas do nosso corpo, inclusive nosso sistema nervoso entérico5.

A adrenalina é lançada na corrente sanguínea através do sistema nervoso central simpático pelas células de neurônios localizadas nas regiões torácica e lombar da medula espinha6 ativando uma série de componentes do mecanismo fisiológico e desencadeando vários sintomas relacionados à ansiedade, tais como taquicardia, mãos e pés suando frio, respiração ofegante, entre outros. 


Sistema nervoso entérico, você já ouviu falar?


Esse é nome dado ao sistema nervoso do intestino. Dotado de 100 a 500 milhões de neurônios recebe o nome de nosso “segundo cérebro” e apesar de ser dotado do seu próprio sistema nervoso local e ser capaz de tomar algumas decisões sozinho, ele está conectado ao nosso cérebro. Esse eixo intestino-cérebro se comunica através de três vias: nervo vago, hormonal e imunológica. Mas estudos tem demostrado que a ligação por meio do nervo vago é responsável por cerca de 80% dessa comunicação6.

Essa ligação por meio do nervo vago se dá através do sistema nervoso central, por meio de terminações ganglionares dos neurônios, quando a amigdala é ativada ela também provoca a secreção dos hormônios noradrenalina e adrenalina que preparam o corpo para uma resposta de emergência. Esses hormônios ativam o nervo vago que transmite informação para o nosso sistema nervoso entérico provocando reações diante de alguma situação de estresse ou sentimento de emoção aumentada, como por exemplo, acidez estomacal, vontade de ir ao banheiro e até mesmo enjoo.

Nosso corpo possui uma complexa rede de comunicação que está envolvida no recebimento, processamento e envio de respostas.  Essa comunicação é desencadeada por reações químicas, por meio dos neurotransmissores e hormônios, são eles que comandam nosso corpo frente a emoções.


Como os neurotransmissores e os hormônios estão envolvidos com nossas emoções?


Os neurotransmissores são mensageiros químicos que transportam os sinais entre os neurônios por meio de sinapses. Já os hormônios são produzidos pela glândula hipófise e percorrem nosso corpo pela corrente sanguínea. Ambos são responsáveis por uma rede de comunicação do nosso corpo que estimula e equilibra as respostas gerenciando todo nosso funcionamento.

E quando se trata de emoção, os neurotransmissores e hormônios são responsáveis pelas respostas fisiológicas do nosso corpo desempenhando um papel importante para a homeostase do nosso organismo. Vamos conhecer alguns deles?

A serotonina (5-HT) e o ácido gama-aminobutírico (GABA): são neurotransmissores inibitórios, isso significa que restringem o potencial de ação em um neurônio receptor o que contribui para o controle da ansiedade. Ambos atuam na regulação da amigdala para as respostas de defesa do nosso cérebro contra ameaças que desencadeiam os sintomas da ansiedade e do medo.

Quando nosso cérebro produz baixos níveis de serotonina ocorre um bloqueio no seu transporte, ou seja, ocorre uma inibição dos neurônios que leva ao bloqueio da sua síntese e consequentemente no comando de reação e defesa dado pela amigdala para as outras estruturas e sistemas do nosso corpo. O que promove uma sensação de satisfação e bem-estar, por esse motivo a serotonina é conhecida como o hormônio do prazer. Além disso, está relacionado com a regulação do humor e do sono.

GABA: é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central, também diminui a ação de numerosos neurônios que atuam na ativação da amigdala, hipocampo e cortes pré-frontal levando a diminuição da ansiedade, aumentando a sensação de relaxamento e calma.

Dopamina: quando produzida pelo sistema nervoso, atua como neurotransmissor e quando produzida pelas glândulas suprarrenais, como hormônio. Em situação de estresse tem seus níveis aumentados levando o corpo a um estado de hipervigilância. Associada a sensação e bem-estar e prazer (sexual), também é responsável pela coordenação motora do nosso corpo. Altos níveis de dopamina em nosso corpo de forma constante pode desencadear a esquizofrenia, já baixos níveis, a doença de Parkinson.

Noradrenalina: responsável em manter o corpo em alerta, está relacionada com a regulação do humor, vigília, processos cognitivos como aprendizagem, memória e criatividade.  Em altos níveis no cérebro aumenta o fluxo sanguíneo deixando o cérebro em estado de concentração e alerta. Remédios usados para tratar transtornos de déficit de atenção, hiperatividade, depressão e ansiedade tem como princípio ativo o aumento dos níveis de noradrenalina no cérebro.

Adrenalina: atua como neurotransmissor quando produzida pelo cérebro, e hormônio quando liberada pelas glândulas suprarrenais. Em situações de forte emoção ou alto nível de estresse, excitação ou medo, esse hormônio é liberado como um mecanismo de defesa. Lançado na corrente sanguínea estimula o aumento da frequência cardíaca, dilata os pulmões aumentando a oxigenação, aumenta o fluxo sanguíneo nos músculos, ele prepara o corpo para lutar ou fugir da situação a sua frente.

Acetilcolina (ACh): é um neurotransmissor que tem origem no tronco encefálico e projeta-se para as outras estruturas do sistema límbico, está relacionado com os processos cognitivos, aprendizado, atenção e principalmente com a memória.

Glutamato: é o principal neurotransmissor excitatório e está presente em todo sistema nervoso central. Está relacionado a funções cognitivas como o aprendizado e a memória. Altos níveis de glutamato no sistema nervoso central podem levar os neurônios a morte e causar sérios danos cerebrais ou derrames.


Qual a importância da neurociência e a terapia cognitivo comportamental?


Estudos recentes têm evidenciado que a neurociência e a terapia cognitiva comportamental podem auxiliar no tratamento da ansiedade e dos seus transtornos. Pesquisas tem constatado que nosso cérebro adulto é dotado de plasticidade, ou seja, pode ser moldado8, pode se reorganizar e construir novas conexões neurais e assim ajustar suas respostas de acordo com os novos estímulos recebidos. Ou seja, desenvolver novos hábitos e substituir os antigos.

Modificações neurais por meio do aprendizado e desenvolvimento de novas habilidades e essas novas conexões são traduzidas em novos comportamentos que estimulam o desenvolvimento cognitivo e a regulação dos processos emocionais8,9.

A ansiedade nos deixa vulnerável e na maioria das vezes amplia nossas sensações que são interpretadas como perigo, o que nos leva a desenvolver pensamentos negativos fortalecendo essa sensação de perigo e aumentando a ansiedade. A terapia cognitivo-comportamental utiliza técnicas que auxiliam na reprogramação do cérebro possibilitando a criação de novos padrões de pensamento e comportamento, permitindo maior equilíbrio neurológico diante de situações emocionais do nosso dia a dia10,11.

Desse modo, a neurociência tem muito a contribuir com o conhecimento das nossas emoções e principalmente para o desenvolvimento de estratégias e técnicas voltadas para terapia cognitivo-comportamental e assim contribuir para o controle da ansiedade e de seus transtornos.


Referências:

1- Goleman, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionaria que define o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. 383p

2- McNally RJ. Mechanisms of exposure therapy: how neuroscience can improve psychological treatments for anxiety disorders. Clin Psychol Rev. 2007 Jul;27 (6):750-9. doi: 10.1016/j.cpr.2007.01.003. Epub 2007 Jan 18. PMID: 17292521.

3- Mochcovitch MD, da Rocha Freire RC, Garcia RF, Nardi AE. A systematic review of fMRI studies in generalized anxiety disorder: evaluating its neural and cognitive basis. J Affect Disord. 2014;167:336-42. doi: 10.1016/j.jad.2014.06.041. Epub 2014 Jul 2. Erratum in: J Affect Disord. 2014
Oct;167():259-60. PMID: 25020268.

4- Goularte JF, et al.,. COVID-19 and mental health in Brazil: Psychiatric symptoms in the general population. J Psychiatr Res. 2021 Jan;132:32-37. doi: 10.1016/j.jpsychires.2020.09.021. Epub 2020 Sep 30. PMID: 33038563; PMCID: PMC7527181.

5- Vanderson Esperidião-AntonioI; et all. Neurobiology of the emotions Arch. Clin. Psychiatry (São Paulo) 35 (2), 2008 https://doi.org/10.1590/S0101-60832008000200003

6- Naidoo, Uma. Seu cérebro bem alimentado: Um guia indispensável para os surpreendentes alimentos que combatem distúrbios como depressão, ansiedade, demência, TOC, insônia e mais. Tradução André Fontenelle. 1ª ed. São Paulo: Fontanar, 2021.

7- Qin, J., Li, R., Raes, J., Arumugam, M., Burgdorf, K. S., Manichanh, C., … & Mende, D. R. (2010). A human gut microbial gene catalogue established by metagenomic sequencing. nature, 464(7285), 59.

8- Spencer, Nick J., et al. “Identification of a Rhythmic Firing Pattern in the Enteric Nervous System That Generates Rhythmic Electrical Activity in Smooth Muscle.” Journal of Neuroscience, Society for Neuroscience, 13 June 2018, www.jneurosci.org/content/38/24/5507.

9- Muszkat M., & Mello, C. (2012). Neuroplasticidade e reabilitação neuropsicológica. In: J. Abrisqueta-Gomez (Ed). Reabilitação Neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos conceituais na prática clínica. (pp. 56-71). Porto Alegre: Artmed.

10- Porto, P., Oliveira, L.D., Volchan, E., Mari, J.D., Figueira, I., & Ventura, P. (2008). Evidências científicas das neurociências para a terapia cognitivo-comportamental. DOI:10.1590/S0103-863X2008000300006


11-
Kindt M. A behavioural neuroscience perspective on the aetiology and treatment of anxiety disorders. Behav Res Ther. 2014 Nov;62:24-36. doi: 10.1016/j.brat.2014.08.012. Epub 2014 Sep 10. PMID: 25261887.

 

 

Disclaimer
O conteúdo do site não se destina a diagnosticar, tratar, curar ou prevenir qualquer doença. Todas as informações são baseadas em evidências científicas, porém fornecidas apenas para fins informativos e com o objetivo de realizar divulgação científica.

Compartilhe esse post

Receba nossa newsletter

Entre para nossa lista e receba conteúdos exclusivos e com prioridade.