Nossa alimentação de cada dia pode afetar nosso comportamento? 

Será que o que comemos afeta nosso comportamento? Muitos de nós conhecem o inverso, ou seja, nosso comportamento afeta o que e como comemos. Quem de nós, quando ansioso, nunca comeu  um doce a mais do que deveria? ou quando muito nervoso ou triste perdeu completamente a fome?
Mas o que queremos conversar com vocês por aqui, é o inverso, como nossos hábitos alimentares podem afetar nosso nível de ansiedade, nosso foco, nossa tomada de decisões, por exemplo?
Queremos chamar a atenção para um ponto importante, você já pensou que nossos hábitos alimentares afetam nosso comportamento?

Daniel  Kahneman citou em seu livro Rápido e Devagar um experimento muito interessante para avaliar o que afeta a tomada de decisões de juízes em tribunais. Fizeram uma pesquisa  em 2011 (1), para analisar se havia diferenças em  decisões judiciais em cortes americanas devido ao esgotamento mental dos juízes após horas de julgamentos; Eles mostraram dados muitos interessantes:  Há uma tendência de aumento  de decisões judiciais desfavoráveis  para uma mesma causa, após um tempo de sequência de julgamento. Eles descobriram que a porcentagem de decisões favoráveis cai gradualmente de 65% para quase zero dentro de cada sessão de decisão no tribunal antes do almoço e retorna abruptamente para 65% favorável após um intervalo pós refeições.

Os autores chamam a atenção que embora o foco deles tenha sido em decisões judiciais de especialistas, suspeitam que as decisões de outros especialistas em outros segmentos, como decisões legislativas, decisões médicas, decisões financeiras e decisões de admissão em universidades podem ser afetadas pelo mesmo mecanismo pelos tomadores de decisão.
Do ponto de vista fisiológico, sabemos que nossas decisões são afetadas pelo funcionamento do cérebro, funcionamento esse que depende de níveis de glicose, glicose essa que só pode ser retirada exclusivamente da alimentação. Os níveis adequados de glicose no sangue determinam nosso comportamento.Quando o nível de açúcar no sangue flutua, aumenta ou cai, pode produzir sentimentos de raiva, ansiedade ou depressão. Você pode sentir que suas emoções estão fora de seu controle. Muitos trabalhos têm mostrado que  quedas de glicose em diabéticos, por exemplo, causam comportamentos agressivos (3). Isso quer dizer que precisamos comer alimentos ricos em açúcar ou que todo diabético ficará agressivo ou que a agressividade é explicada apenas pela alimentação? Não, de forma alguma! Mas controlar os níveis de açúcar no sangue é importante! Fato!

Existe uma área da nutrição que estuda como os nutrientes afetam o funcionamento do cérebro. Vamos falar aqui da neuronutrição. Já ouviu falar? Neuronutrição é uma área da Nutrição que estuda como os nutrientes afetam o funcionamento cerebral.

De acordo MORRIS (4), a dieta pode atuar através de várias vias que estão implicadas na saúde mental. Uma dieta  saudável contém uma grande variedade de  compostos bioativos e fitoquímicos que podem interagir beneficamente com o funcionamento cerebral. Por exemplo, verduras, vegetais e frutas contêm, além de vitaminas, minerais e fibras benéficas, uma alta concentração de vários polifenóis que parecem estar associados a taxas reduzidas de depressão em mulheres mais velhas, potencialmente devido ao seu efeito anti-inflamatório e neuroprotetor (5). Em  padrões saudáveis de dieta é abundante a quantidade de  micronutrientes como  as  vitaminas do complexo B, os ácidos graxos  ômega 3, minerais (por exemplo, zinco, magnésio) e fibras (por exemplo, amido resistente), bem como outros componentes bioativos (por exemplo, probióticos) que são protetores de doenças mentais (6,10).

A sociedade de psiquiatria australiana e da Holanda (Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists (RANZCP)  publicou em 2020 diretrizes relacionadas ao estilo de vida para quem sofre de transtornos do humor (8).  Essas diretrizes recomendam que a dieta, o exercício e a melhora do sono, juntamente com a cessação do tabagismo, álcool e outras substâncias, devem formar a base do gerenciamento do transtorno de humor, descrevendo-o como “essencialmente inegociável” (8).
Uma meta análise realizada em 16 ensaios clínicos randomizados envolvendo  45.826 participantes que tiveram intervenção dietética para tratamento de depressão e ansiedade, concluiu  efeitos consistentemente significativos e positivos das intervenções dietéticas nos sintomas depressivos e efeitos positivos nos sintomas de ansiedade no grupo de mulheres (10).

Portanto, a alimentação de produtos ultraprocessados, pobre em nutrientes como base alimentar  pode levar a distúrbios de comportamento. O jejum sem orientação de um especialista em nutrição também não é indicado! 

Além disso, nosso sistema nervoso central é completamente ligado ao nosso intestino. Nosso intestino é colonizado por micro-organismos tais como: bactérias, fungos e vírus chamada de microbiota. A microbiota afeta a produção de neurotransmissores  que por sua vez afeta a comunicação entre os neurônios. Pesquisas recentes também mostram que há um envolvimento do microbioma e funcionamento cerebral (9).

Dietas ricas em fibras, e gorduras saudáveis afetam de forma positiva o equilíbro dessa microbiota e também o funcionamento do intestino. Caso o intestino apresente algum tipo de inflamação crônica sabe-se que isso pode afetar o cérebro, e causar uma neuroinflamação. Alergias alimentares também podem causar uma resposta inflamatória intestinal e consequente uma inflamação cerebral (6)
Assim, dietas não saudáveis também são ricas em outros compostos que podem afetar negativamente o cérebro, através do intestino.  Por exemplo, elementos comumente encontrados em alimentos processados, como ácidos graxos saturados, adoçantes artificiais e emulsificantes, podem alterar o microbioma intestinal, o que pode ativar vias inflamatórias. Agentes de cor artificial e conservante de benzoato de sódio acrescentados pela indústria nos alimentos  têm sido associados ao aumento da hiperatividade em crianças de 3 anos e 8-9 anos (2).

Portanto, considerar a nutrição como prática terapêutica para ajudar na gestão da saúde mental e distúrbios comportamentais precisa ser considerada base fundamental de um tratamento.Outros aspectos intrapessoais, sociais e até ambientais vão afetar? Claro, devem ser considerados. Entretanto, se não olharmos a base antes, estaremos muitas vezes medicando um paciente,  tornando ele dependente da medicação sem olhar a causa.

Quando ouvimos a expressão “a decisão judicial depende do que o juiz comeu no café da manhã”, hoje sabemos que não é só uma brincadeira, há muita ciência por trás que mostra que  há sentido nessa expressão. Que os médicos, psiquiatras nossos de cada dia, se sensibilizem da importância de um trabalho multidisciplinar com nutricionista para entender que nosso comportamento também tem causas fisiológicas.

A ciência precisa avançar para nos dar mais respostas, há muitos outros aspectos relacionados de como a dieta  pode afetar nosso comportamento, nos acompanhe pois falaremos disso aqui na Ecoscientia.

 

Referências:

DANZIGER, S.; LEVAV, J.; AVNAIM-PESSO, L. Extraneous factors in judicial decisions. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 108, n. 17, p. 6889–6892, 2011.

MCCANN, D. et al. Food additives and hyperactive behaviour in 3-year-old and 8/9-year-old children in the community: a randomised, double-blinded, placebo-controlled trial. Lancet, v. 370, n. 9598, p. 1560–1567, 2007

BALHARA, Y. P. S. Diabetes and psychiatric disorders. Indian journal of endocrinology and metabolism, v. 15, n. 4, p. 274–283, 2011..

MORRIS, G. et al. A model of the mitochondrial basis of bipolar disorder. Neuroscience and biobehavioral reviews, v. 74, n. Pt A, p. 1–20, 2017.

ABBASALIZAD FARHANGI, M.; DEHGHAN, P.; JAHANGIRY, L. Mental health problems in relation to eating behavior patterns, nutrient intakes and health related quality of life among Iranian female adolescents. PloS one, v. 13, n. 4, p. e0195669, 2018.

CARREIRO, D. Alimentação e Distúrbios de Comportamento Publicação Independente, 4o edição, (2012)

CHANG, S.-C. et al. Dietary flavonoid intake and risk of incident depression in midlife and older women. The American journal of clinical nutrition, v. 104, n. 3, p. 704–714, 2016

MALHI, G. S. et al. The 2020 Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists clinical practice guidelines for mood disorders. The Australian and New Zealand journal of psychiatry, v. 55, n. 1, p. 7–117, 2021

MARX, W. et al. Nutritional psychiatry: the present state of the evidence. The Proceedings of the Nutrition Society, v. 76, n. 4, p. 427–436, 2017.

FIRTH, J. et al. The effects of dietary improvement on symptoms of depression and anxiety: A meta-analysis of randomized controlled trials. Psychosomatic medicine, v. 81, n. 3, p. 265–280, 2019.

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