Por que precisamos estudar os óleos essenciais na luta contra o câncer?

Hoje em dia pode parecer difícil viver entre 70 e 80 anos, a expectativa de vida do brasileiro (fonte), e não conhecer alguém que teve diagnóstico câncer. De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC), em 2020 ocorreram19,2 milhões de novos casos de câncer em todo o mundo e 9,9 milhões de mortes por câncer [1]. Câncer é agora a principal causa de morte e espera-se que aumente em 70% nas próximas duas décadas, com pulmão, fígado, estômago, colorretal, câncer de mama, próstata e esofágico responsáveis pela maioria das mortes [1,13, 14].


A sensação de estar próximo de vários casos de câncer, pode estar relacionada à diversos avanços científicos e tecnológicos desenvolvidos para o combate ao câncer na última década: identificação precoce de tumores, novos medicamentos, imunoterapia, marcadores moleculares e a cirurgia minimamente invasiva fortaleceram de forma expressiva o arsenal terapêutico contra a doença. Entretanto, os números de incidência da doença e mortalidade aumentaram no mesmo período.  As maiores incidências em mulheres é o câncer de mama, e o de pulmão em homens [1, 13, 14], excluindo câncer de pele não melanoma.


A incidência e a mortalidade por câncer vêm aumentando no mundo, em parte pelo envelhecimento, pelo crescimento populacional, como também pela mudança na distribuição e na prevalência dos fatores de risco de câncer, especialmente aos associados ao desenvolvimento socioeconômico. O instituto nacional do Câncer (INCA) mostra que há transição dos principais tipos de câncer observados nos países em desenvolvimento e que tipos de câncer associados a infecções estão em níveis decrescentes. Verifica-se também um aumento daqueles associados à melhoria das condições socioeconômicas com a incorporação de hábitos e atitudes associados aos centros urbanos (alimentação inadequada, tabagismo, sedentarismo entre outros) (BRAY et al., 2018).


A associação americana do câncer relata que 15% das causas do câncer são de origem genéticas hereditárias e 85% dos casos de câncer são relacionados a epigenética o seja, ao estilo de vida (sedentarismo, tabagismo, alimentação industrializada, etc.). Entretanto, na maioria dos consultórios médicos há uma ênfase nos exames de diagnósticos em detrimento das orientações ao estilo de vida do paciente. A população dos grandes centros tem maior acesso a exames diagnósticos e hospitais mais equipados para atendimento e apoio no tratamento de câncer e infelizmente também a maior prevalência de casos de mortes por câncer (Fontes de dados: Sociedade Americana de Câncer, Centro Nacional de Estatísticas de Saúde (NCHS), Centros para Controle e Prevenção de Doenças, 2020).


Embora é inegável que a sobrevida de vários tipos de câncer aumentou muito com os novos tratamentos nas últimas décadas a pergunta que devemos fazer enquanto sociedade é: Quantos tem acesso a essa realidade? O custo da medicação de inunoterapia varia de R$ 30 mil e R$ 50 mil e não está disponível no SUS. O médico Dr. Paulo Hoff, pesquisador do IDOR e presidente da Oncologia D’Or e diretor geral do Instituto do Câncer de SP, afirma que é preciso discutir como oferecer esses medicamentos aos pacientes do SUS: “Uma vida não tem preço, mas tem um custo. Não cabe ao médico individualmente tomar a decisão de quanto vale a pena pagar para que o indivíduo viva ‘x’ meses a mais, mas cabe à sociedade” afirmou em entrevista concedida a Folha de São Paulo.  Esses custos e estatísticas apoiam a necessidade de novos medicamentos quimioterápicos nos próximos anos e novas estratégias terapêuticas anticâncer com menor custo ao paciente.


Várias abordagens naturais vêm sendo utilizadas para tratamento de diversas doenças ao longo da história. Em especial nas últimas décadas o uso de óleos essenciais vem ganhando popularidade como tratamentos coadjuvantes e complementares aos tratamentos anticâncer convencionais.


Os óleos essenciais são substâncias complexas e multifuncionais com origem vegetal, que tem sido usada por milhares de anos por seu papel na prevenção e tratamento de várias doenças [3]. Cerca de 60% dos agentes quimioterápicos convencionais têm origem vegetal, 25% sendo versões quimicamente modificadas de fitoprodutos, hoje 25% são derivados de origem vegetal (13,14). Um exemplo é o componente ativo Paclitaxel (conhecido como a marca comum Taxol) originalmente derivado de a casca da árvore Taxus brevifolia [39].


Uma revisão de trabalhos científicos feita por pesquisadores brasileiros da Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2021 mostrou que o uso dos óleos essenciais é uma técnica eficaz para reduzir as náuseas, a frequência dos vômitos e melhorar a qualidade do sono em pacientes com câncer em quimioterapia [4]. Entretanto, pouco se observa dessas práticas no SUS ou redes particulares de sáude no Brasil.


Então quer dizer que os óleos essenciais só podem ajudar nos efeitos colaterais dos tratamentos? Não. O uso dos óleos essenciais podem ir além disso! Constituintes específicos de alguns óleos essenciais também demonstraram melhorar a atividade citotóxica de drogas quimioterápicas em várias linhagens celulares [2], aumentando assim a janela terapêutica, ou seja, diminuindo as concentrações de drogas necessárias, ao mesmo tempo em que fornece o mesmo efeito [9, 10].


Por exemplo, o Docetaxel é a terapia de primeira linha para hormônios refratários no câncer de próstata, que tem sobrevida média de 20 meses [9] e está associado a efeitos colaterais graves é atualmente usado em combinação com o tratamento exibindo toxicidade dose-dependente para o paciente [ 9 ]. d-limoneno, mólecula presente nos óleos essenciais cítricos da casca do limão e laranja,  também mostrou atividade citotóxica isolada em relação às células cancerígenas da próstata (linha DU-145), e quando administrado junto com docetaxel, sensibilizou as células para esta droga permitindo o tratamento com a mesma eficácia e com uma dose marcadamente mais baixa do quimioterápico docetaxel.  Além de diminuir a quantidade de docetaxel necessária, o d- limoneno mostrou baixa toxicidade para humanos. É possível que esta combinação também possa ser eficaz em linhas celulares resistentes a docetaxel [9].


Outro caso é o do cariofileno, substância presente nos óleos essenciais de cravo, pimenta preta e copaíba aumentou a atividade do quimioterápico paclitaxel em 10 vezes em linhas de células cancerosas do cólon ( DLD-1)  [ 10] .


Os principais constituintes dos óleos essenciais das plantas são os terpenos. Nos últimos anos, os terpenos ganharam relevância clínica devido à sua capacidade de suprimir o desenvolvimento do câncer. Seu efeito na proliferação celular os tornou agentes promissores na prevenção ou tratamento de muitos tipos de câncer. O citronelal, um tipo de monoterpenos constitinte do óleo essencial de eucalipto citriodora e citronela, foi investigado por seus efeitos moleculares na linha celular de câncer de fígado (carcinoma hepatocelular Huh7) e tem mostrado resultados promissores nas  pesquisas in vitro [11].


Novas descobertas de receptores olfativos tem sido alcançadas pelo pesquisador Dr. Hanns Hatt da Ruhr-Universität, na Alemanha. Ele e seus colegas descobriram que existe receptor olfativo expresso com mais frequência no tecido do câncer de bexiga do que no tecido da bexiga saudável. Conforme relatado na revista Frontiers in Physiology, os pesquisadores demonstraram que o receptor, chamado OR10H1, responde a odores de sândalo. Eles descobriram que, quando o componente do óleo de sândalo, Sandranol, ativa o OR10H1 nas células do câncer de bexiga, as células se tornam mais arredondadas, sofrem menos divisão celular e apresentam menor mobilidade celular. “Em nossos estudos de cultura de células, inibimos com sucesso o crescimento do tumor usando aroma de sândalo” relata.


Em outro estudo do mesmo pesquisador, publicado na revista Frontiers in Oncology, o receptor olfatório OR2B6 foi encontrado exclusivamente no tecido do câncer de mama e, de acordo com os autores, poderia ser potencialmente usado como um biomarcador específico para o diagnóstico do câncer de mama. Hanns Hatt diz que ambos os estudos confirmaram que quantidades particularmente altas desses receptores podem ser encontradas nas células tumorais. “No futuro, eles vão desempenhar um papel importante não só no diagnóstico de doenças, mas antes de mais nada, vão fornecer novas abordagens na terapia do tumor”, concluiu [12].

Outra pesquisa promissora refere-se ao álcool perílico, mólecula constituinte dos óleos essenciais de lavanda, hortelã-pimenta e sementes de aipo. O neurocirurgião brasileiro e professor da Universidade Federal Fluminense no Rio de Janeiro, Clóvis Orlando Pereira da Fonseca, tem pesquisado sobre a inalação do álcool perílico para tratamento de gliomas (tumores  do sistema nervoso central). Ele acredita que a nova técnica trará impactos importantes para a saúde pública pois os resultados do álcool perílico está regredindo o tamanho dos tumores e aumentando a sobrevida dos pacientes sem relatos significativos de efeitos colaterais [6].


Em suma, devido à sua importância, os óleos essenciais extraídos de diversas fontes têm sido amplamente estudados por diferentes grupos de pesquisas, na promessa de novas perspectivas para a obtenção de agentes quimioterápicos inéditos e mais potentes, seletivos e com menores efeitos colaterais (8). Pesquisas in vitro e em in vivo realizadas em vários centros de pesquisas demonstraram que vários óleos essenciais e moléculas isoladas dos óleos possuem uma ampla gama de propriedades e mecanismos anticâncer [2], podem auxiliar os efeitos adversos dos tratamentos convencionais [4] e potencializar drogas convencionais [9 e 10].


Embora pesquisas sobre a aplicação de óleos essenciais como agentes terapêuticos anticâncer requerem mais resultados, expandir o conhecimento dos mecanismos de ação dessas substâncias como terapia ao câncer deve ser uma demanda da sociedade.  Cabe a nós, apoiar o desenvolvimento de pesquisas como essas. Acompanhe os resultados destes e outros estudos promissores conosco!

 

Referências

[1] Sítio do Instituto Internacional de Pesquisa do Câncer –  <https://gco.iarc.fr> acesso em 30 de julho de 2021.
[2] Y. Bhalla, VK Gupta e V. Jaitak, “Anticancer activity of óleos essenciais: uma revisão”, Journal of the Science of Food and Agricultura, vol. 93, no. 15, pp. 3643–3653, 2013.
[3] JS Raut e SM Karuppayil, “A status review on the propriedades medicinais de óleos essenciais”, Culturas Industriais e
Produtos, vol. 62, pp. 250-264, 2014.
[4] AE Asbahani, K. Miladi, W. Badri et al., “Óleos essenciais: Da extração ao encapsulamento”, International Journal of
Pharmaceutics , vol. 483, no. 1-2, pp. 220–243, 2015.
[5] https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/bjhbs/article/view/59744/38048
[6] https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//entrevista-rede-cancer-19.pdf
[7] AE Edris, “Potenciais farmacêuticos e terapêuticos de óleos essenciais e seus constituintes voláteis individuais: uma revisão,” Phytotherapy Research , vol. 21, não. 4, pp. 308-323, 2007.
[8] T. Rabi e A. Bishayee, “d-Limonene sensibiliza docetaxel-citotoxicidade induzida em células de câncer de próstata humano: geração de espécies reativas de oxigênio e indução de apoptose”, Journal de Carcinogênese , vol. 8, artigo no. 9, 2009.
[9] J. Legault e A. Pichette, “Potentiating effect of -caryophyl-lene sobre a atividade anticâncer de -humuleno, isocariofileno
e paclitaxel, ” Journal of Pharmacy and Pharmacology , vol. 59, não. 12, pp. 1643–1647, 2007.
[10] https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/19150/2/2.pdf
[11] Maßberg D. et al “ Monoterpene (−)-citronellal affects hepatocarcinoma cell signaling via an olfactory receptor”
Archives of Biochemistry and Biophysics, vol 566, pp 100-109, 2015.
[12] https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fonc.2018.00033/full
[13] Sítio do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Disponível em: < https://www.inca.gov.br/>. Acesso em: 01 de agosto de 2021.
[14] http://static.sites.sbq.org.br/rvq.sbq.org.br/pdf/v2n1a06.pdf
[15] Sítio da Organização Pan-Americana da Sáude  OPAS/OMS Disponível em <https://www.paho.org/pt/topicos/cancer> Acesso em 01 de agosto de 2021.


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